Rio de Janeiro está à beira do caos social, apontam especialistas
Governos federal e estadual negociam pacote para o estado e apresentam contrapartidas repudiadas por trabalhadores
Via Brasil de Fato
Salários atrasados, empresas terceirizadas sem pagamento, hospitais parcialmente paralisados, delegacias sem recursos, penitenciárias superlotadas e à beira de uma rebelião. A crise do Rio de Janeiro avança e o governo estadual negocia ajuda de R$ 20 bilhões para 2017 com o governo federal, podendo chegar a R$ 50 bilhões até 2019.
As propostas do governo de Luiz Fernando Pezão e a contrapartida exigida pelo governo de Michel Temer para conceder o pacote de ajuda são alvos de crítica por parte de funcionários públicos e pensionistas. Segundo o Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais (Muspe), as soluções apresentadas pelo governo Pezão atingem a população mais vulnerável economicamente.
“Reconhecemos que existe uma crise financeira, mas discordamos frontalmente das saídas propostas pelo governo do Estado e pelo governo federal. Tais medidas jogam a conta dessa crise para ser paga por uma parcela significativa dos servidores do Estado do Rio e pela população, que recebe serviços cada vez mais precarizados”, destacou o movimento através de uma carta aberta.
Entre as propostas de Pezão apresentadas à população e ao governo federal para aumentar a arrecadação e diminuir os gastos, estão os cortes em políticas sociais como o Bilhete Único Intermunicipal, a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), aumento do desconto previdenciário de 11% para 14%. O governo também está propondo uma alíquota extraordinária de 16% para servidores, aposentados e pensionistas, por tempo determinado (que poderia ser em torno de quatro anos). Com isso os descontos chegariam a 30%. Além disso, Pezão propôs congelar o salário dos servidores por três anos, corte salarial e redução da carga horária. O corte de salário é proibido por lei, por isso precisaria do aval do Supremo Tribunal Federal (STF).
STF na contramão
O STF está tendo papel decisivo na resolução da crise no Rio de Janeiro. O tribunal autorizou o pagamento dos salários depois do décimo dia útil do mês, alterando a legislação que previa que o dinheiro fosse depositado todo quinto dia útil. A Suprema Corte também validou o aumento da alíquota previdenciária e agora vai decidir sobre a redução salarial dos servidores.
A postura da atual presidente do STF foi questionada pelos trabalhadores do estado. “A iniciativa, por parte da ministra Carmen Lúcia, de chancelar esse acordo entre as duas esferas governamentais para solucionar a crise (que é obrigação da União, pelo Pacto Federativo), mostra-se descompromissada com os interesses da população fluminense e seus servidores. Na verdade, ela está chancelando um ataque duríssimo e injusto ao servidor público”, aponta o Muspe.
Para protestar contra o "Pacote de Maldades" do governo Pezão, o Muspe está convocando um protesto para o dia 2 de fevereiro, às 12h, em frente à Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Nesse dia serão retomadas as atividades parlamentares e haverá votação relacionado às medidas do governo. A pauta manifestação é "contra a privatização da Cedae e em defesa do serviço público".
Saúde pública
Segundo o pesquisador e professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mauro Osório, a situação, que é delicada, pode piorar nas próximas semanas. “O Rio de Janeiro não sairá da crise sem o governo federal. Se isso não ocorrer rápido haverá um caos social”, alerta Osório, que também é presidente do Instituto de Estudos sobre o Rio de Janeiro (IERJ). “O Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, no município de Duque de Caxias, exonerou seus funcionários em novembro e está de portas fechadas. Outros hospitais também estão em situação difícil. Junto com o verão está chegando também a dengue e a chikungunya. A estimativa que é essas doenças atinjam 50% da população no estado. Então imagina o caos na periferia”, aponta o professor, que trabalha diariamente com dados, estatísticas e estudos sobre o estado.
Outros quatro hospitais estaduais enfrentam problemas de falta de insumos básicos, medicamentos, equipamentos sem manutenção e greves parciais. Para a servidora estadual Clara Fonseca, diretora do Sindicato dos trabalhadores da Saúde, Trabalho e Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro (Sindsprev-RJ), a situação da saúde pública já beira o caos.
“Nós somos a categoria de servidores que tem a menor média salarial do estado, que é menos que mil reais e nossos salários estão atrasados desde outubro, um dos mais atrasados. Esse mês os funcionários que ganham mais de mil reais vão receber a última das quatro parcelas do salário de outubro; e aqueles que ganham mais de mil receberão a primeira parcela de novembro”, relata a sindicalista. O pagamento referente ao mês de dezembro só deverá ser feito em fevereiro, e o décimo-terceiro salário ainda não tem previsão de ser depositado.
Desde o começo da crise a saúde é um dos setores mais afetados. “Os funcionários concursados dos hospitais estão em greve, mas garantindo o atendimento de pelo menos 50% de sua capacidade. Já os funcionários terceirizados estão sendo demitidos pelas organizações sociais (OSs) – empresas que administram unidades de saúde - sem o pagamento de salários e direitos trabalhistas. A situação deles é semelhante a de um escravo”, critica Clara Fonseca. Na quinta-feira (12), funcionários do hospital Getúlio Vargas, no bairro da Penha, zona norte do Rio, fizeram uma paralisação durante 24 horas. “Até uma parte da emergência foi fechada. Só atenderam pessoas baleadas ou esfaqueadas”, disse.
Entre os servidores, o clima é de depressão, explica a diretora do Sindsprev. “A situação dos funcionais é crítica, mas é pior entre os aposentados e pensionistas. Foram registrados casos de morte em função da impossibilidade da compra de alimentos e medicamentos, assim como suicídios”, relata.
Programas sociais
A população de baixa renda que depende de programas sociais do governo, como o Aluguel Social, estão sofrendo na pele com a crise econômica do governo Pezão. Cerca de 10 mil famílias hoje recebem esse benefício, segundo dados do Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST).
“O pagamento de dezembro está atrasado e entramos na Justiça para liberar esses recursos. Temos uma decisão judicial favorável e estamos aguardando o pagamento às famílias”, afirma o coordenador regional do MTST no Rio, Victor Guimarães. Nos últimos cinco meses os pagamentos só foram feitos por meio de decisão judicial, de acordo com o movimento.
Educação
Na educação o drama não é muito diferente. "Salários atrasam todos os meses e denúncias de fechamento de turmas e escolas chegam com frequência no Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe-RJ)", de acordo com a coordenadora do sindicato Dorotéa Santana. Em dezembro, o Brasil de Fato já havia denunciado que entre 2010 e 2015, nos governos de Sérgio Cabral e de Luiz Fernando Pezão, 197 escolas da rede pública estadual foram fechadas. A informação consta num dossiê apresentado pelo deputado Flávio Serafini (Psol).
No final do ano passado, a Secretaria de Educação do estado tentou fechar o CIEP-403, de Volta Redonda, mas foi impedida pelo Ministério Público Federal (MPF). "Também recomendamos a abertura do período de matrícula para o ano letivo de 2017, dentro do prazo de cinco dias, a partir de 30 de dezembro, assim como disponibilização de recursos necessários para o funcionamento regular da unidade”, afirma o procurador da República Júlio Araújo Júnior, autor da ação.
Além disso, a própria Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) está correndo o risco de encerrar as atividades. Semana passada a reitora em exercício Maria Georgina Muniz Washington afirmou que a grave crise que afeta o estado pode causar o fechamento da faculdade. De acordo com a reitoria, é necessário efetuar o pagamento dos servidores e liberar recursos para que a instituição possa funcionar.
Segurança pública
Se a crise avançar, as consequências são imprevisíveis também no setor de segurança pública, de acordo com Mauro Osório. “A polícia está sem receber e a insatisfação é cada vez maior entre os policiais, que já entraram na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) armados no ano passado”, afirma o pesquisador.
Algumas delegacias da Polícia Civil são mantidas pelos próprios policiais, que compram materiais como papel higiênico e até pagam pelo serviço de faxina, como é o caso da delegacia do bairro de Santa Teresa, na zona sul do Rio.
Na última segunda-feira (16), os policiais civis e os agentes penitenciários do Rio de Janeiro realizaram uma assembleia e iniciaram uma greve parcial da corporação, batizada de Operação Basta. A polícia vai registrar apenas flagrantes, termos circunstanciados, delitos violentos, violações da Lei Maria da Penha e crimes que exijam diligências urgentes.
A medida, segundo o Sindicato dos Delegados de Polícia (Sindepol), vai seguir até o pagamento dos salários. A assessoria de imprensa da Polícia Civil informou que a Chefia da Polícia não se manifesta sobre decisão de entidade de classe, mas disse que os serviços essenciais serão mantidos.
O jornal Brasil de Fato entrou em contato com governo do estado, mas até o fechamento dessa reportagem não obteve resposta.