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“O governo precisa rever sua política econômica"

Débora Nunes, do MST, explica ocupações a ministérios da Fazenda pelos Sem Terra

04/08/2015

Luiz Felipe Albuquerque

 

Diversos Ministérios da Fazenda amanheceram ocupados por milhares de Sem Terra em todo o país, nesta segunda-feira (3).

Até o momento, os Ministérios da Fazenda de Brasília, Porto Alegre, Recife, Fortaleza, Florianópolis, Curitiba, Palmas, Paraíba, Bahia, Rondônia e Sergipe foram ocupados. 

A pauta principal é a denuncia ao ajuste fiscal do governo federal, que dentre outras coisas, cortou quase 50% dos recursos da Reforma Agrária para este ano - de R$ 3,5 bilhões sobraram apenas R$ 1,8 bilhão.

Para entender melhor o que se passa, a Página do MST entrevistou Débora Nunes, da direção nacional do MST.

“Queremos que toda a sociedade saiba que é no Ministério da Fazenda onde se coloca em prática a política econômica ditada pelo capital e pela burguesia, contra o povo brasileiro”, afirma.

Para ela, “o governo precisa ter coragem de rever essa política e adotar medidas que resolvam os problemas econômicos, mas cobrando de quem de fato deve pagar a conta, que são os ricos, a burguesia e o capital. Ter coragem de taxar as grandes fortunas e fazer com os mais ricos paguem mais impostos”.

 

Por que estão sendo ocupados diversos ministérios da Fazenda em todo o país pelos Sem Terra? 

O Ministério da Fazenda é a casa responsável pelos ajustes fiscais, programas e medidas que tem, insistentemente, impossibilitado que os investimentos públicos priorizem a educação, a saúde, a reforma agrária, dentre tantas outras políticas que são necessárias para melhorar as condições de vida do povo.

É neste ministério que se garante as condições para resolver os problemas no déficit das contas públicas, em nome do equilíbrio econômico entre as receitas e as despesas. Condições que possibilita que o capital financeiro continue ganhando muito dinheiro, através da especulação, das altas taxas de juros e de isenção fiscal às empresas e que retira direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.

Queremos que toda a sociedade saiba que é no Ministério da Fazenda onde se coloca em prática a política econômica ditada pelo capital e pela burguesia, contra o povo brasileiro.

 

Como você avalia a política econômica do atual governo?

Temos feito ano após ano a crítica à política econômica do governo Dilma, desde o primeiro mandato. Mas neste segundo mandado, há um endurecimento e um conservadorismo maior no que se refere às questões econômicas, e não para resolver os problemas da sociedade. 

Aquilo que o governo tem chamado de ajuste fiscal, propondo medidas avalizadas pelo Congresso Federal, Câmara e Senado para diminuir as despesas, têm afetado diretamente as conquistas e os direitos dos trabalhadores. 

Nossas ocupações são para denunciar e dizer que somos contra o ajuste fiscal, que somos contrários que o governo resolva o problema das contas públicas prejudicando a classe trabalhadora, os pobres, como é o caso das Medidas Provisórias 664 e 665, que reduzem o acesso ao seguro desemprego e aos benefícios da previdência, medidas que afetam diretamente quem trabalha nesse país. Não podemos aceitar pagar uma conta que não é nossa.

E essa é a forma que encontramos para dizer à presidenta Dilma e ao Ministro Joaquim Levy (da Fazenda) que é preciso ouvir a sociedade.

O governo precisa ter coragem de rever essa política e adotar medidas que resolvam os problemas econômicos, mas cobrando de quem de fato deve pagar a conta, que são os ricos, a burguesia e o capital. Ter coragem de taxar as grandes fortunas e fazer com os mais ricos paguem mais impostos.

Queremos que o governo retome a reforma agrária com medidas que garantam o assentamento de todas as famílias acampadas e as condições necessárias nos assentamentos para que possamos viver no campo com dignidade e cumprir nossa tarefa de produzir alimentos saudáveis para alimentar o povo brasileiro. E isso não se faz com essa politica econômica que está posta aí.

 

Quais são as consequências do ajuste fiscal?

Arroxo para a classe trabalhadora, retirando direitos e benefícios já conquistados. Cortando o orçamento de ministérios que atendem diretamente os pobres, como educação, saúde, habitação, reforma agrária. Aumento nas contas de energia, no preço da cesta básica. Tudo isso acompanhado do aumento do desemprego. 

Isso gera um clima muito ruim na sociedade, porque todos os dias se percebe que a situação está piorando, pois ao mesmo tempo que o povo sente as dificuldades aumentando, por outro lado temos os “poderes” exercendo a política de resolver a vida dos seus, a exemplo do judiciário que aprovou no Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) o aumento de até 78% aos servidores do poder judiciário ou a recorrente serventia do legislativo as empresas financiadoras de suas campanha.

As consequências são desastrosas e a sociedade, as organizações e movimentos sociais tem a tarefa de denunciar e lutar contra esta situação.

 

E onde a Reforma Agrária entra nisso?

A Reforma Agrária entra no fato de não ter sido prioridade. Pois além do ajuste fiscal diminuir as despesas retirando benefícios e direitos dos trabalhadores e trabalhadoras através das MP´s, ainda realizou muitos e grandes cortes no orçamento, em pastas que afetam, diretamente, população. 

Ou seja, nos serviços básicos de saúde, educação, e nos programas sociais. Os cortes na Reforma Agrária vão na contramão das expectativas geradas pelo próprio governo.  

Dificilmente se consegue assentar as 120 mil famílias que estão acampadas se o governo não priorizar além do discurso político a destinação de recursos. O Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) e o INCRA tiveram proporcionalmente o segundo maior corte orçamentário da explanada, quase 50% do seu orçamento. 

Com isso dificilmente se assentará as famílias que estão acampadas, algumas há mais de 10, 15, 18 anos na luta. Precisamos que se leva a sério a necessidade de realização da Reforma Agrária, garantindo infraestruturas social e produtiva nos assentamentos, para que tenhamos um campo com gente que não quer ir às cidades ser amontoado. 

Queremos construir um outro modelo de agricultura, produzindo alimentos saudáveis, garantindo vida digna no campo com homens, mulheres, crianças e jovens. Um campo que possibilite a permanência da juventude com acesso à cultura, educação e ao lazer.  Um modelo que gera sete empregos a cada dez que é criado no campo.

Nesse sentindo, o ajuste fiscal, os cortes e a não priorização por parte do governo à política de assentamentos afeta diretamente a Reforma Agrária.

 

Como você avalia o aceno político que o atual governo vinha dando para a Reforma Agrária?

O discurso do governo de que a Reforma Agrária é prioridade, que é preocupação garantir a produção de alimentos saudáveis, não vai se efetivar se esse discurso estiver descolado da garantia das condições necessárias para que ela se efetive, a exemplo a imediata recomposição do orçamento.

A Reforma Agrária não vai acontecer como um passo de mágica. É preciso ter decisão política e coragem para enfrentar o latifúndio, o agronegócio e o Congresso conservador. Um congresso, onde a grande maioria dos senadores e deputados representam e defendem os interesses de empresas que financiaram suas eleições. 

O governo precisa convocar a sociedade para debater estes temas e buscar alternativas que levem a mudanças estruturais e não apenas paliativas e colocam o problema de hoje para amanhã.

Na reforma agrária além da coragem politica para enfrentar o modelo do agronegócio, precisa ser acompanhado de garantias orçamentárias e financeiras de estruturação dos órgãos que tratam da Reforma Agrária, sobretudo o Incra, com a garantia de concursos públicos para reestruturação do órgão para que de fato a política de Reforma Agrária se efetive e consiga chegar lá na ponta, resolvendo o problema de quem está no campo e também os problemas estruturais vivenciados por toda a sociedade, a exemplo da falta de mobilidade urbana, o inchaço das cidades, a alta nos preços e o envenenamento dos alimentos. 

As consequências do ajuste fiscal tem interferido diretamente questões cotidianas da população. As pessoas têm pagado aumentos mensais na taxa de energia elétrica, o custo da cesta básica aumenta dia a dia, e estas coisas também tem relação direta com o que acontece no campo. Fazer a Reforma Agrária contribuirá também para a solução dos problemas que estão nas cidades, mas que tem nascedouro medidas não realizadas no campo. 

 

Mas a jornada não é apenas por terra, há as questões sobre os assentamentos também?

Sim, e são problemas decorrentes da ausência de uma politica séria para o campo. As dificuldades em alguns casos são expressão da ausência do Estado na garantia de uma politica estrutural que viabilize as condições básicas de reprodução social e produtiva na reforma agrária.

É inadmissível que tenhamos assentamentos com mais de 15 anos e não se tenha água potável para consumo.

Ou famílias assentadas há 10 anos e sem a casa para morar. Assentamentos que tem energia elétrica, mas muito distante da necessidade produtiva e econômica que o assentamento deve cumprir, seja no uso de máquinas e equipamentos necessários à produção, seja para rodar equipamentos agroindustriais.

Problemas de assentamentos que ficam ilhados e isolados quando chove, pois as estradas de acesso são de péssimas condições.

Se tratarmos do crédito que é fundamental na produção, veremos que tem sido na maioria das vezes um problema, ao invés de solução e impulso a organização da produção. Limitado, burocratizado e reproduz o pacote tecnológico convencional, que envenena os alimentos. Um crédito que endivida e inviabiliza as famílias.

Nós também entendemos que a Reforma Agrária também passa pela garantia de condições básicas e fundamentais aos diversos sujeitos que vivem nos assentamentos, a exemplo da saúde e educação, em especial da juventude.  

A nossa juventude entende que para permanecer no campo é preciso que haja uma educação em todos os níveis e trabalho, combinação perfeita para avançarmos na mudança de matriz tecnológica para a agroecologia.

Enfim os problemas nos assentamentos são a consequência daquilo que ainda não foi feito pelo Estado e governos.

 

Para isso o MST propõe o PAC da Reforma Agrária. O que seria isso?

O PAC da Reforma Agrária é uma proposta apresentada ao governo na perspectiva de se ter um programa com ações voltadas para construção das condições estruturais a organização e desenvolvimento dos assentamentos, como água para consumo e produção, estrada de acesso e circulação, eletrificação, agroindústrias, estruturação de cooperativas, construção de centros comunitários que possam servir de espaço de sociabilização dentro dos assentamentos, construção de escolas e creches infantis e postos de saúde. 

Um conjunto de ações que são importantes e que não podem estar reféns da burocracia e das interferências políticas ou de pessoas que não tem compromisso com a Reforma Agrária. Em resumo, é um programa para estruturar os assentamentos, resolvendo o passivo existente, não queremos nada demais, queremos o que o Estado deixou de fazer e de cumprir nas áreas dos assentamentos. 

A proposta deste PAC é parte de um novo projeto para a agricultura brasileira proposta pelo MST à sociedade, que estamos chamando de Reforma Agrária Popular, que parte da necessidade da democratização, da preservação dos bens da natureza e de toda a biodiversidade, produção de alimentos  saudáveis a partir da agroecologia,  garantia de escolas em todos os níveis e de profundas mudanças na forma de conceber o campo. 

Essa proposta carece da decisão política do governo e da disposição de organização e luta de toda a classe trabalhadora, seja para a construção da reforma agrária popular e todas as demais mudanças estruturais necessárias para a sociedade.