Em seu livro, você descreve situações delicadas pelas quais passou como relatora da ONU, como quando autoridades britânicas questionaram sua atuação por ser ‘uma mulher e de um país do sul’. O que significou essa experiência na sua trajetória?
Vou fazer um depoimento muito pessoal. Eu nunca havia tido, até a relatoria, qualquer tipo de militância feminista. E aqui há uma questão de classe, porque tive que enfrentar talvez poucas barreiras na vida em relação à maior parte das mulheres.
Além disso, pela minha origem de imigrante polonesa- criada em ambiente multicultural, multilinguístico e cosmopolita-, me via como uma cidadã do mundo. Era difícil me enxergar como brasileira, antes de mais nada.
Para mim foi um enorme choque quando cheguei na Inglaterra. Em todos os países adotei esta postura: examinei, visitei os governos, conversei com comunidades, realizei audiência públicas e, no final, de forma muito independente, me manifestei sobre as situações de violação de direito à moradia que estavam ocorrendo.
Mas o Reino Unido foi o único lugar em que o governo não gostou do que falei e que a reação do partido foi de questionamento. Como era possível- e foi nesses termos- uma mulher brasileira, de um país marcado pela presença de favelas e pela falta de saneamento, ousar emitir qualquer opinião crítica sobre a política habitacional britânica? Afinal de contas, o que se pensa é que o papel dos países do sul, na sua condição de subalternidade no cenário internacional, é almejar implantar as políticas dos países europeus.
Naquele momento me caiu uma ficha sobre a própria posição de subalternidade em que nos colocamos como pensadores e militantes, como se fosse impossível sairmos dessa posição.
Foi importante para pensamos, inclusive, nos próprios modelos e nos caminhos que a gente tem que seguir. E senti o estigma de ser mulher. Evidentemente, eu sei que aquela foi a velha estratégia do “shoot de mesanger”: quando não se gosta da notícia que o mensageiro traz, você desconstitui o mensageiro. Entramos em conexão com pessoas que estavam sendo extremamente violadas e cujas vozes estavam sendo reprimidas. A presença da relatoria da ONU confirmando essas violações gerou grande repercussão na política interna.
*Thiago Hoshino é doutorando em direito na UFPR e pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles.