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Enquanto autoridades discutem medidas, novos episódios agravam crise carcerária

Apesar de redução da violência no RN, continuam os confrontos entre detentos; Comissão de DH faz recomendações.

Via Brasil de Fato

Parlamentares, especialistas em segurança pública e autoridades do Executivo voltaram a olhar com mais atenção, hoje (24), para as medidas de combate à crise carcerária do país, que não dá sinais de acabar. Coincidentemente, ao mesmo tempo em que o governo anunciou o início dos trabalhos do grupo integrado de agentes penitenciários, dois novos problemas surgiram em presídios e centros de detenção do Rio Grande do Norte e de São Paulo. No Rio Grande do Norte, houve confronto entre tropas de choque da polícia militar e detentos rebelados no complexo de Alcaçuz. Em Bauru, uma rebelião de mais de seis horas resultou na fuga de 152 detentos.

A rebelião de Bauru aconteceu no Centro de Progressão Penitenciária (CPP3) Professor Noé Azevedo. Segundo o governo paulista, 90 detentos foram recapturados, mas o clima ainda é de preocupação. O principal temor de forças de segurança e diretores dos ministérios da Justiça e da Defesa continua sendo que os casos de rebelião e a guerra entre facções criminosas cheguem com força aos presídios das regiões Sul e Sudeste.

Durante reunião nesta manhã para acelerar as ações de combate ao problema, foram discutidas as medidas já adotadas. Em Natal, o trabalho de segurança pública nas ruas por parte das Forças Armadas está sendo feito desde a última sexta-feira (20) e tem previsão de ser realizado até a próxima terça-feira (31), podendo ser ampliado. Contribuiu para pôr fim aos casos de ônibus incendiados na capital potiguar.

No fim desta semana, há previsão de ser iniciada também a vistoria, por parte de agentes especiais das Forças Armadas, nos presídios do estado, após a conclusão do mapeamento que está sendo feito pela área de inteligência do Exército e da Marinha.

Durante a manhã, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, assinou portaria que cria a chamada Força-tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP), conforme foi prometido anteriormente. O objetivo é reunir agentes penitenciários experientes de todo o Brasil para que sejam capacitados e integrem um grupo especial para atuar dentro dos presídios, em casos de crise.

Relatório da CDHM

Já por parte do Legislativo, os parlamentares da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara entregaram a representantes do Executivo, do Judiciário e dos governos estaduais do Amazonas e de Roraima relatório com resultado de diligência que avaliou a situação dos dois estados. No Amazonas, a comissão reclamou que por uma questão de segurança não pôde ser autorizada a entrar no local onde estavam os detentos da rebelião mais forte, ocorrida no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj).

Como os representantes da comissão só puderam conhecer a área administrativa, não tiveram condições de averiguar a situação em que os presos se encontravam, conversando com eles próprios. Segundo relato da secretaria de segurança pública daquele estado, o sistema penitenciário no Amazonas faliu. O governo estadual, afirmou o relatório, admitiu, inclusive, que as próprias iniciativas de gestão do sistema não surtiram efeito.

“Diante da falta de informações e de acesso aos presos, a CDHM constatou que os dados sobre o sistema prisional do Amazonas não estão disponíveis de forma acessível e clara para a sociedade”, destacou o documento.

“A gestão privada do Compaj não resultou em melhoria alguma para o sistema. Denúncias recebidas por essa comissão durante as diligências atestam que os funcionários da empresa terceirizada Umanizzare, contratada para a administração do local, não têm preparo para lidar com os presos, desconhecem ou não desenvolvem práticas de ressocialização, além de serem pelo menos em parte suspeitos de prática de corrupção”, acrescentou o relatório.

De acordo com a CDHM, um dos momentos mais importantes da diligência foi a reunião com familiares dos presos mortos ou que sobreviveram à chacina no Compaj. Mediado pela Pastoral Carcerária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o encontro mostrou o ponto de vista das famílias, agregando informações que não puderam ser obtidas com os próprios detentos em função da restrição do acesso até eles, conforme contou o presidente da comissão, deputado João Carlos Siqueira, o Padre João (PT-MG).

Entre as reclamações feitas durante a diligência, o relatório informou, ainda, que os detentos enviavam cartas para a direção do Compaj contando que estavam sendo ameaçados de morte e que, durante as visitas, alguns presos faziam ameaças contra outros detentos exibindo armas pelas frestas das celas. Também denunciaram que todas as autoridades responsáveis tinham conhecimento da ameaça de chacina.

Em Roraima, onde foi permitido à CDHM entrar nas unidades prisionais e manter o diálogo com os detentos, ficou constatada a existência das facções do crime organizado atuando dentro do sistema prisional – Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV) e Família do Norte (FDN). Foram tais facções, segundo as informações apuradas por agentes penitenciários e representantes da Pastoral Carcerária da CNBB e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), responsáveis diretas pelas mortes ocorridas em Boa Vista.

“Na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Roraima, verificamos a existência de celas com capacidade para até oito pessoas abrigando 25 detentos. As celas não têm ventilação adequada nem iluminação, e toda a área está circundada por um esgoto a céu aberto. Não foi possível adentrar as alas para verificar a quantidade de presos por cela nem sua condição física. Em conversa na porta da ala, eles informaram que havia pessoas feridas e que necessitavam de atendimento médico”, afirmou o deputado Padre João.

Tortura e maus-tratos

Um dos pontos que mais chamou a atenção da comissão foi o relato de que práticas de tortura e maus-tratos contra os detentos são recorrentes tanto na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo como na Cadeia Pública Feminina de Boa Vista.

“As ameaças são feitas, inclusive, quando o presídio recebe visitas de comissões de Direitos Humanos e grupos que vão à Penitenciária Agrícola constatar as condições do cárcere. Na própria data da visita da CDHM, os presos retirados da cela para a reunião com nossa delegação ouviram dos agentes a frase ‘depois a gente conversa’, em tom de ameaça caso denunciassem algo que desagradasse ou causasse algum tipo de represália a eles. Muitos tiveram receio de se pronunciar no início do encontro com medo de serem torturados quando regressassem às celas”, disse o presidente da comissão.

O documento da comissão de DH recomenda que as defensorias públicas dos estados do Amazonas e de Roraima designem defensores públicos para atuar diretamente com a execução penal e no atendimento aos presídios; que estes estados ampliem o quadro de defensores  “visando à garantia do devido processo legal e acesso à justiça para as pessoas privadas de liberdade”.

Sugere também que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os Tribunais de Justiça dos dois estados adotem providências em conjunto para promover medidas de desencarceramento. Principalmente quanto às prisões preventivas em casos de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça e verificação de prazos para concessão de progressões de regime e outros benefícios.

A CDHM recomendou, ainda, que os estados ampliem o quadro de agentes penitenciários, permitindo que as atividades da administração carcerária sejam realizadas com maior segurança para os detentos e os agentes públicos. E a realização de investigações sobre denúncias diversas, incluindo as empresas que administram os presídios e sobre a péssima qualidade da alimentação fornecida nas unidades prisionais.