Empresas estatais e desenvolvimento: considerações sobre a atual política de desestatização
Nota técnica do Dieese discute elementos críticos sobre a atual política de desestatização, especificamente no que se refere à venda de empresas estatais.
O governo de Michel Temer, iniciado em abril de 2016, ancorado no programa político de seu partido, propõe um conjunto de reformas – fiscal, trabalhista, sindical e previdenciária – como a principal agenda para alteração dos marcos estruturais da economia, sinalizando como prioridade a “solução do desequilíbrio fiscal ” do Estado brasileiro. Este programa retoma uma série de conceitos hegemônicos na década de 1990, dentre os quais a desestatização e desregulamentação das relações econômicas e sociais.
Em geral, utiliza-se como justificativa para a adoção de tais medidas duas ordens de argumentação. A primeira assenta-se na ideia de que a iniciativa privada, orientada pela busca de lucros, seria mais eficiente na realização de suas atividades e, portanto, daria maior contribuição ao desenvolvimento do país por meio da prestação de serviços ou da produção de bens de melhor qualidade e a preços mais baixos. A segunda ordem de argumentação baseia-se na ideia de que, frente a problemas fiscais, o processo de desestatização permitiria, ao mesmo tempo, enfrentar os crescentes desequilíbrios nas contas públicas e realizar novos e maiores investimentos em infraestrutura.
A rigor, esse não é um debate novo e tampouco é novidade a adoção de programas de desestatização. Em verdade, há muito de ideologia no debate acerca de suposta superioridade do desempenho do setor privado sobre o público e dos recorrentes prejuízos causados ao erário por empresas controladas pelo Estado. Desde o fim da ditadura militar, passando pelos governos nos anos 1980 e, principalmente, nos anos 1990, o debate sobre o papel do Estado esteve presente e programas de desestatização foram implantados, em geral, com vistas a responder a crises de balanço de pagamentos e de ordem fiscal. Entretanto, seus resultados são controversos. Na década de 1990, por exemplo, ao contrário da expectativa do governo, as desestatizações mostraram-se incapazes de solver a crise fiscal – entre 1995 e 2003, a dívida líquida do setor público passou de 28% para 52% do Produto Interno Bruto (PIB); tampouco aumentaram a eficiência e a qualidade dos serviços prestados – vide política de privatização do setor elétrico que levou o país à “Crise do Apagão” em 2001.
Em 2002, contudo, foi eleito um governo cujo programa econômico é distinto daquele implementado desde o início dos anos 1990, sobretudo no que tange à relação entre setor público e sociedade. A partir de então, dentre outras medidas adotadas no campo da regulação, houve reorientação do papel das empresas estatais, o que ensejou o seu fortalecimento e mesmo a criação de novas empresas. Estas passaram a liderar os principais projetos estruturantes do país, por vezes, inclusive, por meio de parcerias com a iniciativa privada .
No período recente, em meio à crise econômica e suas repercussões sobre as contas públicas do país, as empresas estatais voltaram ao centro do debate público, em um contexto permeado por investigações da prática de corrupção envolvendo quadros de direção dessas e de grandes empresas do setor privado. Diante do debate ideológico que se travou em torno das estatais, faz-se necessário um exame cuidadoso sobre suas dimensões mais fundamentais. Assim, esta Nota Técnica objetiva apresentar elementos críticos sobre a atual política de desestatização, especificamente no que se refere à venda de empresas estatais.
Para tanto, serão abordadas algumas questões relevantes, organizadas em três seções: 1) apresentação geral sobre o Programa de Parcerias do Investimento - principal instrumento apresentado pelo atual governo para redefinir os parâmetros da relação entre o Estado e o setor privado; 2) cotejamento entre os principais argumentos de defesa da adoção de programa de desestatização e alguns indicadores sobre as empresas estatais, apontando a incoerência entre a venda de ativos e o dito equilíbrio fiscal perseguido pelo atual governo; 3) discussão sobre o papel das empresas estatais no Brasil e em outros países, especialmente sobre sua função na promoção do desenvolvimento econômico e no provimento de serviços essenciais à população.
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