Contrato de concessão favorece empresas de ônibus
A concentração do sistema de transportes se traduz em baixa qualidade e altos preços
Há um mês, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) autorizou o aumento da tarifa dos ônibus em 9,1%. O valor, que antes era de R$ 2,75, passou a custar R$ 3,00 no dia 8 de fevereiro. O decreto foi assinado após o Tribunal de Contas do Município (TCM) alegar não ter competência para decidir.
No estudo sobre a revisão tarifária de 2012, o mesmo órgão identificou “diversas impropriedades na forma como foram procedidos os reajustes nos preços das passagens, desde uso incorreto e erros nas fórmulas, bem como índices e valores fornecidos ou criados pelos próprios interessados no aumento das tarifas”.
Para o diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (SENGE-RJ), Jorge Saraiva, o fundamental é mudar a cláusula no contrato de concessão sobre o reajuste na tarifa. Ele afirma que para o cálculo das tarifas, previstos no contrato, é considerada a variação do custo do óleo diesel, dos pneus, dos ônibus, do valor da mão de obra e outras despesas. No entanto, não considera as quantidades destes itens.
Medidas de reestruturação, como BRT e BRS, que implicam na redução do número de veículos, mão de obra e combustíveis, não são levadas em consideração. Também foram desconsiderados incentivos fiscais como: a redução de 2% para 0,01% do ISS das empresas, em 2010, no âmbito do governo municipal; o desconto de 50% no IPVA para ônibus e micro-ônibus destinados ao transporte de passageiros, assinado em janeiro deste ano pelo governo do estado; e que o governo federal zerou a PIS/COFINS, em setembro de 2013, com o objetivo de redução da tarifa, sendo que este imposto representa de 3,5% a 4% do custo tarifário.
“No âmbito econômico, as obras de reestruturação interferem apenas no aumento da margem de lucro das empresas, mas não chegam a representar benefícios para os usuários do transporte público”, garante Saraiva.
Com a reestruturação do sistema de transporte, a prefeitura do Rio estima a redução 10% da frota de ônibus. Ou seja, deixarão de circular cerca de 700 ônibus, reduzindo os custos para as empresas. Saraiva destaca que “a população deve ser a grande beneficiada com estas ações e não os empresários do setor”.
Na tentativa de definir uma metodologia de cálculo tarifário, orientadora dos municípios brasileiros, em 1982, a extinta Empresa Brasileira de Planejamento de Transporte (GEIPOT) elaborou o 1º manual de Cálculo de Tarifas de Ônibus Urbanos. Esta metodologia é válida e aplicada ainda hoje e leva em consideração os custos fixos e variáveis dos insumos de transporte. Entretanto, segundo Jorge Saraiva, ela não é aplicada adequadamente na cidade do Rio.
BOX
MENOR CUSTO PARA AS EMPRESAS E MAIOR PREÇO PARA O PASSAGEIRO
O engenheiro Jorge Saraiva apresenta um breve exemplo da consequência das medidas de reestruturação, como o BRS, que têm impacto na redução de carros em circulação, mas não interferem na diminuição do custo da tarifa.
Considerando a circulação de uma linha de ônibus que faça o trecho de Copacabana – Central, podemos observar que:
ANTES da implantação dos corredores exclusivos
Tempo do percurso de ida |
Tempo de parada no terminal |
Tempo do percurso de volta |
Tempo de parada no terminal |
Total |
60 min |
5 min |
60 min |
5min |
130 min |
Tempo de intervalo de saída entre os ônibus – 5 minutos
NÚMERO DE ÔNIBUS NECESSÁRIOS
130/5 = 26 ônibus
DEPOIS da implantação dos corredores exclusivos
Tempo do percurso de ida |
Tempo de parada no terminal |
Tempo do percurso de volta |
Tempo de parada no terminal |
Total |
40 min |
5 min |
40 min |
5 min |
90 min |
Tempo de intervalo de saída entre os ônibus – 5 minutos
NÚMERO DE ÔNIBUS NECESSÁRIOS
90/5 = 18 ônibus
Conclusão: houve a redução de oito ônibus no trecho, por cada linha. Com 10 linhas de ônibus, isso representa 80 ônibus a menos em circulação no sistema. Portanto, redução no custo das concessionárias. Se há menos custo para o empresário, é preciso diminuir o peso no bolso do passageiro.
CAIXA PRETA
Prefeitura é “benevolente” com empresas, diz sindicalista
Empresas não oferecem dados para verificação dos custos
A ampliação e a elaboração das políticas de transporte coletivo se deram, basicamente, pelos empresários do setor. Hoje, o ônibus é o principal meio de transporte coletivo na região metropolitana, com 90% de participação. Após muitos embates políticos, somente em 2010 foi realizada a primeira licitação para a concessão dos serviços de ônibus do Rio. Ainda assim, o resultado não foi nada animador: foram mantidos os mesmos operadores e apenas quatro empresários continuam concentrando 1/3 do transporte coletivo no município.
Essa revisão se dá, principalmente, para verificar se houver desequilíbrio na equação econômico-financeira. O engenheiro Saraiva aponta a “benevolência” da prefeitura em relação às concessionárias. O sindicalista lembra, ainda, que as empresas não oferecem os dados necessários para a verificação dos custos, como foi observado pelo próprio TCM.
Agamenon Oliveira, também diretor do SENGE-RJ, destaca a luta tarifária como uma luta política. “Ela está relacionada com a distribuição de renda neste país”. O sindicalista ressalta que os altos preços das tarifas interferem no direito de ir e vir, principalmente da parcela mais empobrecida da população.
ALTERAÇÃO DA TARIFA
Os consórcios vencedores da licitação começaram a operar em 30 de outubro de 2010. A tarifa teve incremento de R$ 0,05, passando a custar R$2,40. Este foi o segundo reajuste do ano. Em 6 de fevereiro de 2010, o valor foi reajustado de 2,20 para 2,35, representando um percentual de 6,82%. Sete meses após o início da operação dos consórcios, a passagem voltou a subir, passando para R$ 2,50 (reajuste de 4,2%). Oito meses depois, o valor foi para R$ 2,75 (reajuste de 10%). Em junho de 2013, a tentativa de aumento para R$ 2,95 foi barrada pelas fortes manifestações, que tomaram diversas cidades do país. No dia 8 de fevereiro deste ano, a prefeitura elevou para R$ 3,00 (reajuste de 9,1%).
Data do reajuste |
Valor vigente no período |
Aumento |
Percentual de reajuste |
07/05/2011 |
R$ 2,40 |
R$ 2,50 |
4,2% |
02/01/2012 |
R$ 2,50 |
R$ 2,75 |
10% |
01/06/2013 |
R$ 2,75 |
R$ 2,95* |
7,3% |
08/02/2014 |
R$ 2,75 |
R$ 3,00 |
9,1% |
* Aumento barrado pelas manifestações. O valor permaneceu R$ 2,75.
DE GRÃO EM GRÃO AS EMPRESAS ENCHEM O BOLSO
Cada R$0,10 de aumento na tarifa de ônibus no município do Rio de Janeiro representa uma receita anual de R$ 100 milhões. “Estes números representam o acumulo e o poder dessas empresas de ônibus aqui do Rio de Janeiro e como elas têm se apropriado do dinheiro público e dos passageiros”, pontua Jorge Saraiva, diretor do SENGE-RJ.
Historicamente, as tarifas de ônibus apresentam aumentos acima da inflação. Entre os anos de 2000 e 2012, a tarifa esteve 67 pontos percentuais acima da inflação, segundo dados de julho de 2013, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O estudo indica que, neste período, enquanto o IPCA teve uma alta de 125%, o índice de aumento das tarifas dos ônibus foi de 192%.
Em 1995, a Comissão de Transportes da Câmara de Vereadores do Rio solicitou a COPPE-UFRJ um parecer sobre a Planilha de Cálculo Tarifário dos Transportes Coletivos por Ônibus do Município. A tarifa calculada pela prefeitura, na época, foi de R$0,50, a partir dos primeiros dias de janeiro. Mesmo trabalhando com os dados da prefeitura, a COPPE chegou ao valor de R$0,39. Uma diferença de R$0,11 por passageiro.
Entre os anos de 1994 e 2003, o valor das tarifas subiu acima da inflação. É o que mostra o estudo Evolução das Tarifas de Ônibus Urbanos, do Ministério das Cidades. No Rio de Janeiro, a tarifa média aumentou 328,6%. Enquanto os principais índices que medem a inflação foram os seguintes: IGP-DI:201,2%; IPC-FIPE: 122,9%; e o INPC-IBGE: 150,4%.