Conferência em Campo Mourão debate o combate ao assédio contra mulheres e homenageia Marielle Franco
Pelo segundo ano consecutivo, a Regional do Senge em Campo Mourão protagonizou um importante evento de formação e reflexão sobre a realidade das mulheres.
Texto e fotos: Ednubia Ghisi, jornalista do Senge/PR
Pelo segundo ano consecutivo, a Regional do Senge em Campo Mourão protagonizou um importante evento de formação e reflexão sobre a realidade das mulheres. Na noite de sexta-feira (13/04), a conferência “Desate o nó que te prende. Denuncie o assédio!” reuniu profissionais de diversos ramos da engenharia, estudantes universitários e integrantes de outras categorias de trabalhadores, vindos diferentes municípios da região.
O evento debateu o combate às formas de assédio contra as mulheres, com palestras de Simone Baía, engenheira química diretora da Mulher da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), e de Nanci Stancki da Luz, matemática, advogada, pós-doutora em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp e coordenadora de pós-graduação na UTFPR.
Na abertura do evento, a diretora-geral da Regional do Senge em Campo Mourão, Losani Perotti, reforçou a necessidade de se enfrentar o assédio no cotidiano, no ambiente de trabalho e fora dele. “O assédio é uma realidade, é uma violência que as mulheres sofrem no dia a dia”, disse a engenheira agrônoma.
Mary Stela Bischof, representante do Coletivo de Engenheiras do Senge Paraná e do Coletivo de Mulheres da Federação Interestadual de Sindicato de Engenheiros (Fisenge), também esteve na mesa de abertura do evento. A engenheira agrônoma e integrante da diretoria do Senge PR lembro que as mulheres já são maioria em alguns cursos de engenharia, no entanto, ainda são minoria no mercado profissional e ganham menores salários.
“No poder público, entramos com os mesmos salários, mas ao longo da nossa carreira profissional poucas mulheres acessam cargos de gerência que tenham ascensão profissional e por isso a média dos nossos salários fica menor”. E propôs: “Vamos nos juntar, vamos nos informar, vamos discutir de igual para igual com os nossos colegas engenheiros. É uma luta que não é só das mulheres, é de toda a sociedade”.
A disparidade no número de homens e mulheres nas entidades de representação da engenheira foi a tônica do pronunciamento da engenheira agrônoma Marcia Helena Laino, representante do Coletivo de Mulheres do Crea-PR na mesa de abertura: “Nós temos 101 conselheiros no Crea, só 12 são mulheres. Nós temos 126 inspetores no Paraná, só 24 são mulheres. Coordenadores dos cursos de faculdade de engenharia nós temos 261, só 56 são mulheres. Das 65 entidades de classe, apenas 7 mulheres ocupam cargo de presidente”.
O Coletivo foi criado em 2017, com o objetivo de empoderar e aumentar a participação da engenheiras no Crea-PR. “Nós não queremos competição, ninguém é melhor do que ninguém, nós trabalhamos muito bem com os homens, nos damos muito bem. Mas queremos igualdade de oportunidade e aumentar a nossa representatividade”, garantiu a engenheira.
Invisíveis na história
Por meio de uma linha do tempo, a engenheira química Simone Baía iniciou sua palestra apresentando marcos históricos sobre as mulheres no mundo da engenharia. No Brasil, os séculos de proibição do acesso à educação básica e à universidade fizeram com que a primeira engenharia pudesse de formar apenas em 1919. A primeira lei que permitiu o acesso de nível superior às mulheres foi em 1879.
“A gente tem aqui um tempo morto imenso. A gente levou muito tempo pra chegar até aqui. Imagina pra essa mulheres como foi serem as primeiras, os desafios que enfrentaram”, disse a sindicalista, se referindo a primeira engenheira formada. “Nunca é uma luta fácil, de uma hora pra outra. Nada pra mulher é de repente, tudo é com muito luta”, ponderou a engenheira.
Simone Baía ressalta que, das inúmeras mulheres engenheiras que contribuíram para o desenvolvimento do Brasil, poucas são as que tiveram a memória resgatada. “Essa nossa história não é contada, está invisibilizada”, garante a engenheira.
Do cerceamento ao acesso à educação e à invisibilidade histórica, Simone passou para as formas de assédio atuais, que afastam as mulheres os espaços de participação e também constrangem o ambiente de trabalho.
Para além do assédio sexual, a engenheira listou assédios naturalizadas no dia a dia: interrupções à fala das mulheres, tentando impedir a continuidade da fala ou falando mais alto; apropriação intelectual das ideias e projetos das mulheres, explicação de assunto óbvio, foram alguns dos exemplos apontados.
Como eu gostaria de ser tratada/o?
A professora Nanci Stancki da Luz classificou o assédio como um tipo de violência, um “grave problema social”, com impactos profundos e consequências perversas para o assediador e para a assediada. “As pessoas pegam nas mulheres, passam a mão, se acha no direito de você estar andando e ir te abraçando como se aquilo fosse bom, sem você permitir. É um corpo que nessa sociedade machista se torna público”.
Ela pondera que o agressor pode ser qualquer pessoa, que pode ser bastante próxima da vítima e com algumas características específicas: “É uma pessoa que talvez tenha esse senso grandioso da sua própria importância, tem a discussão do sucesso ilimitado, e especial e singular, tem excessiva necessidade de ser admirado, pensa que tudo é devido a ele, não tem empatia”.
Para exemplificar as práticas de assédio moral, Nancy apontou a intimidação, afrontas verbais, tratamento abusivo, posturas injustas, comentários negativos, rebaixamentos, imposição de inatividade, isolamento, cobrança abusiva, ameaça de dispensa. Para além de uma ação individual, cometido por uma pessoa, o assédio pode ocorrer por parte de uma instituição, quando a forma de gestão da empresa é abusiva, atingindo todos os trabalhadores.
A professora adota como a abordagem dos Direitos Humanos para propor novas relações sociais, baseadas na compreensão de que os seres humanos são todos iguais, independente das suas identidades: “Eu tenho que eliminar as representações negativas que eu tenho do outro. Todo o dia eu me pergunto onde está o meu racismo, onde está o meu machismo, onde está a minha homofobia”, sugere.
Como educadora, Nancy vê como saídas a prevenção e a humanização das relações de trabalho. Para a matemática a empatia é essencial ao ser humano e para relações sociais sem assédio. “Se nós não temos a capacidade de nos humanizar e de nos colocarmos no lugar do outro, nós não conseguimos ter uma sociedade justa e solidária. Ou seja, quando eu grito com alguém, quando eu humilho alguém, eu tenho que saber me colocar no lugar do outro. Eu gostaria de ser tratado da mesma forma? Eu posso desejar aquele tratamento para mim mesmo?”, questiona.
Homenagem a Marielle Franco
A conferência também prestou uma homenagem a vereadora carioca Marielle Franco (PSoL-RJ), brutalmente assassinada no dia 14 de março. Com um vídeo e uma poesia, as organizadora do evento trouxeram a memória de uma mulher que tornou-se símbolo nacional da luta por justiça, pelo fim do extermínio da juventude negra e da violência contra as mulheres.
“É com tristeza lembramos que hoje está completando 30 dias que uma guerreira tombou. Uma mulheres, negra, bissexual, moradora de comunidade, que lutava pelo que? Pelos direitos das mulheres também, pelo direito dos negros, das pessoas LGBTI, pelos direitos humanos. Executaram a Marielle, mas não destruíram as ideias, a força, a luta que ela ainda representa. Isso nos entristece, mas ao mesmo tempo mostra que nós precisamos seguir, que precisamos cada vez mais nos empoderar e lutar para mudar essa situação e criar forças”, disse a diretora-geral da Regional Campo Mourão, Losani Perotti.
Ao longo da programação também houve a encenação do monólogo “A Moça Tecelã”, de Marina Colassanti, com a atriz Valéria Santos, do Grupo Trapos de Campo Mourão .
Estudantes de engenharia presentes
Erica Vieira e Claiton Mendes Viel, ambos com 20 anos e estudantes de Engenharia Têxtil da Universidade Estadual de Maringá (UEM) campus Goioerê, estavam entre o público da conferência. Os dois avaliaram positivamente o evento: “O evento foi enriquecedor, porque não tinha essa visão sobre o poder feminino na faculdade, nunca foi discutido sobre o assunto lá dentro. Então mudou muito a minha visão sobre o que realmente acontece dentro de uma empresa e das dificuldade que as mulheres enfrentam”, avaliou Erica.
Já para Claiton, o debate se relaciona com a realidade que ele mesmo enfrenta: “Agregou muito, não ao que eu já pensava com relação à igualdade, mas com relação a mim, porque é o que eu passo também no dia a dia, pelo fato de eu ser homossexual. A maioria tem um poder de voz e a gente se retrai, não quer falar”.
A estudante de Engenharia de Produção Agroindustrial da Unespar de Campo Mourão, Emylly Karolyne Pereira, comentou sobre a ampliação do entendimento acerca do assédio moral: “A gente pensa que o assédio é só o assédio sexual, de tentar coagir, obrigar a pessoa, no fim acabei descobrindo que vai muito além disso. É a violência psicológica, uma série de fatores que a gente nem se liga, que acontecem todos os dias e passa despercebido porque é tão impregnado na sociedade que a gente não pra pensar e acaba sendo naturalizado”.
As palestras sobre assédio e violência contra as mulheres a fez voltar à primeira lembrança de homofobia que sofreu, na 5ª série, quando ainda não assumia a homossexualidade. “As pessoas falavam ‘aquela menina você não pode chegar perto porque ela é lésbica’, foi quando eu senti a primeira exclusão. Mas eu senti ao longo da vida. E na faculdade fica um pouquinho mais aguçado porque é no sentido de ‘nem vou fazer trabalho com essa menina’, coisa do tipo. [...] Hoje eu falo sem vergonha alguma que eu sou LGBT, porque a gente não tem que ter vergonha de quem a gente é, as pessoas que tem que se sentir envergonhadas de ter preconceito, porque preconceito é uma roupa que a gente não deve vestir, é algo que não cabe”, relata a jovem.
Participações e agradecimentos
Losani Perotti agradeceu a todos os presentes pela participação, o esforço das palestrantes em irem até Campo Mourão para participar da Conferência, e também a dedicação da secretária da Regional, Edir Botelho, na realização do evento: “Se não fosse o empenho, toda a dedicação da Edir, nós não estaríamos aqui. Então, deixo meu agradecimento a todas essas mulheres valorosas e guerreiras”.
Estiveram presentes na Conferência Egmar Amorim Maciel Souza, presidente da Associação dos Engenheiros Civis e Arquitetos de Campo Mourão; o engenheiro Sérgio Inácio Gomes, diretor-geral da Regional do Senge em Maringá; Vilma Terezinha Souza Pinto e Silvana Aparecida Lopes, integrantes da APP Sindicato de Campo Mourão; Nivalda Sguissardi Roy, presidente do Sindicato dos Bancários de Campo Mourão e Região; Elisangela Gonçalves Taques, diretora da Regional do Senge em Londrina, Isabela, Senge Jovem de Londrina, professor Cícero Pereira de Souza, vereador do PT em Campo Mourão.