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ARTIGO: O desmanche da Constituição

Para Jorge Folena, a Constituição de 1988 tornou-se exaurida e ineficaz a partir do afastamento de Dilma Rousseff da presidência da República,

(Foto: Governo de Guaíra - PR)

 

Por Jorge Rubem Folena

Advogado e cientista político

 

A Constituição de 1988 tornou-se exaurida e ineficaz a partir do afastamento de Dilma Rousseff da presidência da República, dadas a forma e as circunstâncias em que transcorreu o processo político e jurídico do impeachment, com a manipulação da Constituição para atender interesses casuístas e derrocar a democracia.

Atacada frontalmente, a CF/1988 não foi capaz de assegurar a democracia nem de manter a estabilidade política no país e, assim, as instituições políticas também se desmancharam com o impeachment pois seus membros não perceberam o papel que lhes foi delegado pelo constituinte para impedir o caos.

Os membros das instituições políticas promovem a dissolução de suas funções e impõem o fim trágico do Estado brasileiro, que não consegue mais assegurar o consenso do pacto político de 1988.

Da mesma forma que a CF/1988 hoje só existe no papel, também as instituições políticas não mais dispõem de legitimidade e respaldo popular; vale lembrar que foi do espírito da vontade popular que se acendeu a força nacional que exigiu o fim do regime de 1964-1985.

A CF/88 tem sido esvaziada nos seus propósitos originais desde que governos anteriores aprovaram reformas que levaram a termo a defesa da soberania nacional e dos valores sociais do trabalho e da dignidade humana, como o fim do conceito de empresa brasileira, o monopólio do petróleo, as reformas previdenciárias e as privatizações sem ampla discussão com a sociedade.

O atual governo decidiu dar fim a quase trinta anos de tentativas de se constituir no Brasil “uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social,” conforme a CF/1988.

Na teoria jurídica tem sido difundida uma corrente de pensamento que busca mitigar a racionalidade do Direito, transpondo-o para uma categoria de natureza empírica, como fato social. Segundo este pensamento, o aspecto realista do Direito se manifesta mediante o entendimento firmado pelos tribunais, principalmente os superiores, que julgam em definitivo as questões constitucionais.

Pela construção da teoria do fato social empírico, o Direito torna-se o que os tribunais venham a pronunciar em caráter definitivo. Essa corrente atende aos interesses da hegemonia, que, pelo consenso, tenta estabelecer uma ordem política imposta de cima para baixo, executada por burocratas, sem necessidade de respaldo na soberania popular e para que a máxima “todo poder emana do povo” perca o seu sentido histórico e finalista.

Assim, certos meios de comunicação difundem que o século XXI é do protagonismo judicial e rebaixam e desmoralizam as instituições políticas, como os parlamentos e os governos, nos quais ainda resta algum grau de vontade popular capaz de impedir, mesmo que temporariamente, reformas prejudiciais aos interesses da população, como a previdenciária.

Para a ordem atualmente em curso, é normal que bancos promovam jantares e eventos sociais e culturais para juízes; ou que juízes façam protestos e ameaças de greves visando a manutenção de benefício por moradia que atenta contra a moralidade jurídica; ou que juízes possam interferir em atos de governos, como a concessão de indulto de natal. Em igual situação, os militares estão nas ruas a executar atribuições da polícia.

Fica evidente que não há mais eficácia da CF/1988, que proíbe tais comportamentos, tolerados como normais; da mesma forma que a Suprema Corte aceitou o julgamento de Dilma Rousseff pela Câmara dos Deputados e depois pelo Senado, num nítido desvio de suas funções para perseguir interesses contrários à democracia.

A CF/88 passou a ser manuseada e lida conforme interesses alheios ao espírito que a originou, promovendo seu desmanche e tirando sua eficácia; o mesmo nas instituições políticas por ela criadas para o funcionamento do Estado.

No cenário atual, temos juízes que asseguram a manutenção de uma ordem jurídica ilegítima, que não é a mesma estabelecida pela CF/1988, que deve ser resgatada. Assim, é preciso deixar claro que a suposta ordem jurídica constitucional, que se alega estar em vigor, está sendo usada para favorecer interesses contrários ao país e estranhos à formação original do pacto político de 1988, que, ao nosso ver, já não mais existe.