Terceirização flexibiliza leis trabalhistas
PLC 30/2015 pode aumentar índices de acidentes, mortes e trabalho escravo
Das 79 mortes ocorridas no setor elétrico apenas em 2011, 61 foram de trabalhadores terceirizados. Hoje, os terceirizados representam 20% dos trabalhadores brasileiros com carteira assinada. Isso corresponde a cerca de 12 milhões de pessoas, que estão submetidas a um regime de trabalho com alto índice de exploração, pouca segurança e flexibilização máxima dos direitos trabalhistas. Os dados estão presentes no dossiê "Terceirização e Desenvolvimento - Uma conta que não fecha”, elaborado pela Secretaria Nacional de Relações de Trabalho da CUT em parceria com o Dieese. Para Gunter de Moura Angelkorte, diretor de negociações coletivas no Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio, o número de mortes e acidentes de trabalho tende a aumentar significativamente caso o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 30/2015, que amplia esse modelo de contratação, seja aprovado. O engenheiro acredita que ampliar a terceirização significa precarizar ainda mais o trabalho. “É uma involução de todos os direitos do trabalhador, inclusive do direito à saúde, educação e lazer”.
O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 30/2015 deriva do Projeto de Lei 4330/2004, de autoria do ex-deputado federal Sandro Mabel (PR-GO) - empresário e dono da indústria de biscoitos MABEL -, que foi aprovado em abril na Câmara por 324 votos a favor, 137 contrários e duas abstenções. Atualmente, a súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) autoriza a contratação de trabalhadores terceirizados, mas apenas para atividades-meio, isto é, atividades que não tenham relação com a atividade principal da empresa contratante. Mas caso o PLC seja aprovado no Senado Federal, a terceirização será possível também para atividades-fim. Assim, todo profissional poderá ser terceirizado, mesmo no setor público.
Escravidão contemporânea
Gunter avalia que permitir a terceirização de atividades-fim terá consequências nefastas para a classe trabalhadora. “O Brasil vai se transformar em um país de trabalho escravo”, conclui. De fato, a relação entre a terceirização e o trabalho análogo ao escravo já pode ser comprovada. Segundo Vitor Araújo Filgueiras, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) da UNICAMP e auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, “dos 10 maiores resgates de trabalhadores em condições análogas à de escravos no Brasil entre 2010 e 2013, em 90% dos flagrantes, os trabalhadores vitimados eram terceirizados, conforme dados obtidos a partir do total de ações do Departamento de Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) do Ministério do Trabalho e Emprego”.
A superexploração do trabalhador teceirizado ocorre principalmente porque a empresa contratante não é legalmente obrigada a se responsabilizar pelo pagamento e segurança desses funcionários, cabendo às empresas que administram a mão-de-obra terceirizada fiscalizar as condições do trabalho. Na prática, o modelo dificulta a fiscalização e, consequentemente, a garantia dos direitos assegurados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como o décimo-terceiro salário, férias remuneradas, o respeito à jornada de trabalho e à organização sindical. Caso o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 30/2015 seja aprovado, o quadro do trabalho análogo ao escravo no Brasil tende a se agravar.
Trabalho que mata
O dossiê elaborado pela CUT e o Dieese aponta que “os trabalhadores terceirizados estão mais sujeitos a acidentes e mortes no local de trabalho do que os trabalhadores contratados diretamente”. A terceirização é especialmente perigosa no setor elétrico porque as empresas geralmente não respeitam a NR10, norma do Ministério do Trabalho que versa sobre segurança em instalações e serviços de eletricidade. O diretor de negociações coletivas do Senge-RJ, Gunter Angelkorte, relata que os trabalhadores não recebem o treinamento adequado, falta até equipamento de proteção individual. “No setor elétrico, acidente de trabalho costuma ter três consequências: queimadura grave, mutilação ou morte.”
Apenas na Petrobrás, o número de trabalhadores terceirizados cresceu 2,3 vezes de 2005 para 2012. No mesmo período, o número de acidentes de trabalho apresentou aumento de 12,9 vezes, e 85 trabalhadores terceirizados morreram em serviço.
Mas os acidentes e mortes ocorridas em serviço não são a única maneira a partir da qual a terceirização atua sobre a saúde de trabalhadoras e trabalhadores. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde terceirizados iniciaram o ano com meses de salário atrasados, quatro trabalhadoras tiveram problemas de saúde relacionados ao estresse e hoje tomam remédio controlado. Terezinha Costa, uma das diretoras da Associação de Trabalhadores Terceirizados da UFRJ, aponta algumas causas: “Juntou tudo, a fome, o descaso, o abuso de poder. Cada dia que passava, era mais tristeza para os meus colegas, alguns não tinham o que comer, outros estavam sendo despejados, e nenhuma resposta da reitoria.” Terezinha denuncia os interesses perversos por trás do PLC 30/2015: “A terceirização é uma forma de sonegar ainda mais os nossos direitos. Os empregadores gastam muito. Não tem um serviço de qualidade. A terceirização veio para matar e destruir.”
Impactos da terceirização na luta dos trabalhadores
O caso da UFRJ comprova os riscos da terceirização para a luta dos trabalhadores. A CLT determina que a categoria profissional é um dos parâmetros para a organização sindical. Portanto, os trabalhadores terceirizados, que são tratados pela legislação vigente como prestadores de serviço de áreas específicas, não podem compor um mesmo sindicato, embora se encontrem no mesmo espaço de trabalho e sejam submetidos a condições semelhantes de exploração. Entendendo que a organização coletiva fortaleceria esses profissionais nas negociações com as empresas e a reitoria, os terceirizados da universidade fundaram, em abril deste ano, uma associação (ATTUFRJ) que reúne trabalhadores da limpeza, portaria, vigilância, almoxarifado e manutenção técnica. Para Terezinha, o principal desafio do processo vem sendo mobilizar os trabalhadores, que têm medo de ser demitidos, como aconteceu com ela no início do ano. Em meio a protestos pela regularização dos salá- rios e benefícios atrasados, Tereza recebeu aviso-prévio da empresa Qualitécnica, onde trabalhava. Hoje, ela continua na universidade, mas vinculada a outra empresa de mão-de-obra terceirizada. Embora reconheça a importância das associações de trabalhadores, o diretor de Negociações Coletivas do Senge-RJ pondera que elas não têm a mesma representatividade e o mesmo poder que os sindicatos. “Um sindicato pode entrar com ação na justiça sem precisar nominar o autor da ação. A associação não tem esse poder. Isso faz uma diferença muito grande, porque um modelo expõe o trabalhador e o outro não.” Gunter defende que é preciso lutar contra o Projeto de Lei da Câmara 30/2015, que acentuaria a pulverização da organização dos trabalhadores. “O governo perdeu uma grande oportunidade de fazer uma reforma sindical que pudesse garantir a existência de sindicatos grandes e fortes, como se tem na Europa.” Para o engenheiro, fortalecer os sindicatos é essencial para a luta contra a precarização e por mais direitos para a classe trabalhadora.
*Essa reportagem faz parte da edição nº 187 do Jornal do Engenheiro, publicada em setembro de 2015. Acesse: http://goo.gl/xrnxso.