Por que votar em Dilma
Leia o artigo do engenheiro Sérgio Almeida sobre as eleições presidenciais
Por Sérgio Barbosa de Almeida*
1. Apresentação
Os governos brasileiros dos 25 anos pós-Ditadura poderiam ser simplificadamente enquadrados em duas categorias: neoliberais, defensores do “livre mercado”, e social-desenvolvimentistas, que colocam na linha de frente o desafio de superar as desigualdades econômicas e sociais da nossa sociedade. No primeiro grupo situam-se Collor/Itamar e Fernando Henrique. No segundo, Lula e Dilma. Evidentemente, as dimensões mercado e bem-estar se interligam, razão pela qual nenhum governo pode desconsiderar completamente uma delas. Mas o caminho escolhido define as principais políticas públicas adotadas, com reflexos no dia a dia e no futuro de todos.
2. O caminho do “livre mercado”
Os neoliberais advogam o primado da estabilidade monetária e do controle da inflação sobre o investimento em políticas sociais. Afirmam que o Estado não deve interferir na economia. Liberadas, as “forças de mercado” se encarregariam de suprir a sociedade dos bens e serviços de que necessita, mesmo os de interesse social, como Educação e Saúde. Estado mínimo é seu lema. Por isso, defendem a independência do Banco Central e a privatização dos serviços públicos e empresas estatais, os mais radicais da própria Petrobras. Protestam contra o valor excessivo dos impostos recolhidos pelo Estado, os que permitem a realização de políticas públicas. Enaltecem a “livre concorrência” entre agentes da economia – população, banqueiros, empresários, comerciantes – segundo eles capaz de baratear os preços de produtos e serviços socialmente necessários, tornando-os acessíveis a um número maior de pessoas. Difundem a crença de que a desigualdade é natural e tem suas vantagens, pois os socialmente mal situados “apressarão o passo” para alcançar os que lhes estão à frente. Por fim, apoiam a ideia de que o Brasil deve privilegiar as relações com países ricos do mundo, o que permitiria nosso desenvolvimento à sombra e em interação com as potências econômicas e militares. Melhor que ninguém, FHC encarnou essa corrente, da qual Aécio Neves é o candidato formal em 2014.
3. A opção social-desenvolvimentista
Os defensores dessa via, representados por Lula e Dilma, a partir de 2003, estabeleceram metas aparentemente simples, mas de fato ousadas tendo em vista a distribuição historicamente concentrada de renda e riqueza no País. Possibilitar a realização de “três refeições por dia” por todos, universalizar o acesso à energia elétrica, facilitar o ingresso dos pobres em escolas técnicas e universidades, promover programas de aquisição de casa própria de baixo custo, garantir cobertura médica em rincões remotos do País, foram algumas das medidas adotadas, sempre com a oposição dos neoliberais. Contra esta mesma corrente, promoveram a elevação progressiva do salário-mínimo e o acesso ao crédito à população de baixa renda, ações que contribuíram para expansão do mercado interno e eliminação de parte expressiva dos bolsões de pobreza no Brasil.
Mesmo valorizando as políticas de cunho social, não abriram mão da estabilidade monetária e do controle da inflação. Resgataram o papel de empresas estatais, com destaque para a Petrobras, o que favoreceu a recuperação de setores industriais, notadamente o naval. Doze anos dos governos Lula-Dilma, levaram o desemprego ao patamar de 5%, considerado como pleno emprego.
Nas relações internacionais, ampliaram parcerias e, de forma soberana, enfrentaram diplomaticamente a potência imperial do planeta. Lideraram a formação do grupo dos BRICS, investiram no Mercosul e na formação de um bloco político-econômico com países da A. Latina.
4. Dados comparativos dos governos FHC e Lula/Dilma
A diferença entre as realizações do Governo Federal nos períodos 1995-2002, com FHC, e 2003-2014, com Lula/Dilma é abissal. Alguns parâmetros importantes são apresentados a seguir:
Parâmetro/Período |
Lula/Dilma |
FHC |
1. PIB per cápita 2. PIB 3. Dívida setor público 4. Safra agrícola 5. Reserva em dólar 6. Lucro médio Petrobras 7. Salário mínimo, em US$ 8. Inflação média anual 9. Exportações 10.Capacidade E.Elétrica 11. Taxa de pobreza 12. Extrema pobreza 13. Gasto público saúde 14. Gasto público educação 15. Operações da P.Federal |
R$ 24,1 mil (2013) R$ 4,84 trilhões (2013) 34% do PIB (2013) 188 milhões de ton (2013) 375,8 bilhões R$ 25,6 bi/ano 305,00 5,8 % 242 bi (2013) 122.900 MW 15% 5,2% R$ 106 bi (2013) R$ 94 bi (2013) 1273 (15 mil presos) |
R$ 7,6 mil (2002) R$ 1,48 trilhões (2002) 60% do PIB (2002) 97 milhões de ton. (2002) 37 bilhões R$ 4,2 bi/ano 86,21 9,1 % 60,3 bi (2002) 74.800 MW 34% 15% R$ 28 bi (2002) R$ 17 bi (2002) 48 |
A comparação derruba por terra a ideia de que os adeptos do livre mercado são melhores gestores do que os atentos ao bem-estar. O combate às desigualdades, além de eticamente virtuoso, beneficiou o desenvolvimento econômico.
Mas por que, com tantos avanços, Dilma não é a favorita clara na atual campanha eleitoral?
5. “Contra tudo isso que está aí”
As manifestações de rua de 2013 fornecem uma boa pista para compreender o descontentamento difuso da sociedade com nossa realidade, apesar dos avanços econômicos e sociais da última década. Inicialmente, motivados pela luta contra o rejuste das tarifas de transportes, estenderam seus protestos contra a repressão policial a que foram submetidos, a qualidade insatisfatória dos serviços públicos, a corrupção política percebida pela sociedade – percepção amparada na realidade, mas alimentada pela chamada grande mídia – dentre outras mazelas. Nas ruas, gritava-se “Somos contra tudo isso que está aí!”. E, também, o “Congresso não nos representa!”, o que em boa parte é verdadeiro, pois o financiamento privado de campanhas, legalizado em 1997, transforma os eleitos em fieis representantes dos seus patrocinadores e não dos eleitores. Atualmente, 47% dos membros do Congresso Nacional são empresários, embora constituam menos de 3% da população do País. A oposição tentou capitalizar o movimento, atribuindo-lhe o caráter de revolta contra o Governo Federal. Em parte conseguiu.
Ficaram então flagrantes duas graves deficiências do Governo. Primeiro, a dificuldade de o Poder Executivo se relacionar com o Congresso em bases republicanas e não em entendimentos pautados na distribuição de favores políticos ou financiamentos obscuros de partidos, marcas históricas da política brasileira. O julgamento do “Mensalão” pelo STF, exibido na TV como uma novela da vida real, contribuiu para o descontentamento com o Governo e seu principal partido de sustentação, o PT, mesmo com o STF tendo posteriormente reconhecido que “não houve formação de quadrilha nem uso de dinheiro público”, as duas acusações que embasaram o processo.
Em segundo lugar, as deficiências na comunicação do Governo Federal com a população, submetida diuturnamente à informação dos grandes meios de comunicação, pertencentes a seis famílias, que se colocaram no papel de principal “partido de oposição”. O Governo não foi capaz de romper o cerco que lhe foi imposto pela mídia e hoje tem dificuldades de mostrar à população uma lista imensa de realizações. Espantosa também foi a capacidade da mídia para “escondê-las” do público.
6. O voto em Dilma
Em que pese o desenvolvimento da última década, estamos longe do “melhor dos mundos”. Têm fundamento muitas das críticas contra os governos social-desenvolvimentistas. A realização de uma Reforma Política, que confira aos diversos setores sociais representações parlamentares coerentes com seu respectivo peso político, e não econômico, é primordial para viabilizar outras reformas. A Reforma Política ensaiada por Dilma em 2013 foi barrada pelo Congresso e pelo Judiciário. A redução da taxa básica de juros também não vingou, por pressão dos grandes bancos privados.
A regulamentação da mídia, capciosamente confundida com “retorno à censura”, é decisiva para furar o bloqueio à informação, imposto pelos barões que a controlam. De 1º de janeiro a 4 de setembro de 2014, Dilma foi alvo de 234 matérias negativas nas primeiras páginas dos grandes jornais, contra 18 capas com informações positivas. Isso é campanha eleitoral, à margem da Lei.
O País também carece da formulação de um Projeto verdadeiramente Popular, focado no desenvolvimento com justiça social, com respeito ao meio ambiente e realizado soberanamente.
Eleger Dilma não resolve todas essas questões, mas deixa em aberto o caminho e a esperança de continuarmos avançando rumo à construção de uma sociedade justa e fraterna no Brasil.
Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2014
*Presidente do Senge/RJ de 1995 a 2001, Especialista em Políticas Públicas e de Governo