Olhar o passado para compreender o presente e projetar o futuro
"No 7 de setembro de 2021, a história se representou como comédia, num dos mais tristes acordos feitos por cima, entre um ex-capitão do Exército e uma classe dominante que se desmancha", escreve o advogado Jorge Folena.
Retirantes, 1944, Candido Portinari
Por Jorge Folena*
“Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.” (Marx, O dezoito Brumário de Louis Bonaparte)
Como manifestou o ex-deputado federal José Genoíno, no programa Soberania em Debate, do Movimento SOS Brasil Soberano, do Senge/RJ, de 10 de setembro de 2021, o desenrolar dos recentes acontecimentos do último dia Sete de Setembro, no Brasil, foi a consolidação da farsa e da tragédia, mas também representou uma grande comédia, que culminou no “manifesto à nação”, redigido por um golpista contumaz e assinado por um fascista pusilânime e covarde.
Como resultado dessa sequência de atos, a classe dominante do país, que sempre desprezou o povo brasileiro, logrou construir, ainda que no susto, mais um acordão para tentar manter sua sobrevivência num país completamente arrasado e destruído.
Basta andarmos pelas ruas das cidades para constatarmos a repercussão da pobreza e da miséria, pois a maioria das pessoas já não tem condições de suportar os aumentos no custo de vida, no preço dos alimentos, dos combustíveis e do gás de cozinha, impostos a todos; ao mesmo tempo, os trabalhadores são sistematicamente atingidos pelas perdas salariais e cortes de direitos sociais e levados à informalidade. Toda essa destruição ganhou forças, principalmente, depois do golpe do indevido impedimento da Presidenta Dilma Rousseff, em 2016.
De lá para os dias atuais, a situação se agravou cada vez mais no país; a política desenvolvida até aqui não teve a capacidade de estabelecer um mínimo de equilíbrio na correlação das forças sociais, de modo a garantir a harmonia institucional.
Isto fica muito claro quando os ataques e perseguições forjados contra o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, utilizados para encarcerá-lo por mais de 580 dias e impedir sua participação na eleição de 2018, são agora repetidos de forma selvagem, num execrável vale tudo que inclui até mesmo ameaças à sua vida, visando afastá-lo, mais uma vez, da disputa pela eleição presidencial em 2022.
O país está entregue a um simulacro de projeto econômico, cuja única formulação é aumentar a gigantesca concentração de riqueza para os privilegiados e favorecer os senhores do mercado financeiro, que auferem lucros imensos sem nada investir ou produzir.
Fomos submetidos a um arremedo de economia, que não está preocupada em garantir o desenvolvimento nacional nem a erradicação da pobreza, com o fim da marginalização sistemática dos mais pobres, descendentes, na sua grande maioria, dos negros escravizados e dos indígenas sobreviventes ao genocídio a eles imposto.
O Brasil dos tempos de hoje representa os mesmos interesses do passado colonial, que se reproduziu como farsa no Império e como tragédia em todo o período republicano até agora, pelas mãos dos mesmos agentes, desde sempre descompromissados com a independência nacional.
E como afirmado por Genoíno, no sete setembro de 2021 a história se representou como comédia, num dos mais tristes acordos feitos por cima, firmado entre um ex-capitão do Exército brasileiro e uma classe dominante que se desmancha juntamente com toda a estrutura de Estado.
Tudo indica que estamos diante de uma possível corrosão na classe dominante que comandou até aqui o Estado nacional, na medida em que esse grupo está se valendo de figuras deploráveis sob todos os aspectos para negociar um acordo inexequível e totalmente apartado das necessidades efetivas do país.
Os últimos acontecimentos podem representar o fim de um ciclo. Pois, ainda que possa perdurar por mais algum tempo, o arranjo político neoliberal atual não produzirá nada de novo, uma vez que não logrou sequer efetivar ou consolidar um projeto de reconstrução nacional nos moldes do populismo constituído a partir da Revolução de 1930. Naquela época, depois de passados quarenta e dois anos do término da escravidão formal, foram concedidos alguns direitos, visando a acomodação da classe trabalhadora explorada, mantendo o comando nas mãos da elite. A grande diferença é que, na atualidade, nada está sendo concedido às classes subalternas, que estão subjugadas por uma gritante concentração de renda.
É importante ressaltar que os atores da Nova República não compreenderam que “a tradição de todas as gerações mortas oprime o cérebro dos vivos como um pesadelo.” (Marx). Em razão disso, não tiveram a capacidade de construir um Estado que estabelecesse a memória como base de sua fundação, de modo a evitar que os sucessivos erros do passado se repetissem como farsa e tragédia, possibilitando os acordos estabelecidos pela elite do país, que nos trouxeram aos dias de hoje.
Além disso, a Constituinte de 1987/1988, ao não aprovar no texto da atual Constituição a revogação explícita da lei de anistia de 1979, imposta pela classe dominante, representada naquela Assembleia pelo centrão da época, permitiu a manutenção do Estado com toda a sua nociva carga de passado não resolvido, o que, infelizmente, possibilitou este momento de tragicomédia, que poderá levar à desintegração nacional.
Assim, é necessário olharmos para o passado, a fim de compreendermos o presente e projetarmos nosso futuro como nação independente e soberana, o que somente será possível alcançar por meio da organização das forças populares, progressistas e democráticas.
*Jorge Folena é advogado e cientista político. Integra a coordenação do Movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)