Intensificação das mobilizações em defesa da soberania marca os 59 anos da Eletrobras
Trabalhadoras e trabalhadores anunciaram estado de greve a partir de segunda-feira (14), caso o Senado paute a MP que autoriza a privatização da empresa. Ouça na íntegra a entrevista sobre a estatal na Rádio Petroleira.
Aos 59 anos, ameaçada de privatização e desmonte pelo lobby privado, a Eletrobras opera um sistema maduro, de alta produtividade, integrado nacionalmente, com pesquisas de ponta, linhas de alta potência e usinas cujos investimentos já foram amortizados. Está pronta para dar conta do principal desafio do setor no planeta: a transição de matriz energética para fontes mais eficientes e sustentáveis. Até o dia 22, quando perde a validade a Medida Provisória 1.031/2021, que autoriza a venda do controle da estatal, há um esforço concentrado de parlamentares e movimentos sociais para evitar que a medida seja votada no Senado.
A partir de segunda-feira (14), as(os) trabalhadoras (es) do setor de energia estarão em estado de greve, informou o diretor do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ), Felipe Araújo, durante entrevista à rádio Petroleira do Sindipetro-RJ, ao lado da diretora de Política e Formação Sindical do sindicato, Natália Russo, e da economista Clarice Ferraz, pesquisadora do Instituto Ilumina e professora da UFRJ.
<ouça a entrevista na Rádio Petroleira, na íntegra>
A categoria está preparada para interromper as atividades por 72 horas se e quando os senadores pautarem a MP. Os eletricitários do sistema Eletrobras temem a perda de soberania energética e hídrica, e a fragilização do sistema integrado nacional. Articulados na campanha Salve a energia, os trabalhadores têm realizado tuitaços diários e ações de protesto contra a privatização.
Clarice destacou a relevância da Eletrobras, como “o coração do sistema elétrico, pela sua dimensão e pelos serviços que executa”. Infelizmente, afirmou, o governo não encara o desafio da transição energética, nem se preocupa com a disponibilidade adequada e a preço competitivo de energia para a indústria ou para a retomada econômica. “A questão é ambiental e econômica.”
A Eletrobras conta com capacidade técnica e de coordenação para atuar em eventos climáticos extremos ou outras demandas emergenciais, ressaltou a economista. Pode operar os reservatórios hidrelétricos como grandes baterias baratas, baseadas em recursos renováveis, no sentido de dar suporte às intermitências das fontes eólicas. Ou resolver problemas com rapidez, nos diferentes pontos do país, com pessoal qualificado e equipamentos, como se viu no caso do Amapá. “A estatal tem economia de escala e de escopo”, explicou Clarice.
Nos outros países, segundo ela, o que se tem visto é um movimento contrário ao do brasileiro: os governos tentando criar estruturas estatais e capacidade de coordenação, elaborando programas de eficiência energética. A Suíça, por exemplo, fez um grande plano para deixar a matriz baseada em 30% na energia nuclear. “Soberania não é uma palavra vazia; o setor elétrico é chave para tudo que a gente quiser fazer”, diz a economista, lamentando a perda ampla que a privatização traria ao Brasil. A privatização também vai tirar o controle público sobre as águas, os recurso hídricos e a biodiversidade associada a eles.
De acordo com Felipe, o Brasil, com a Eletrobras sólida e integrada, “poderá ser exemplo de matriz energética no mundo, estabilizando o sistema nacional e fazendo com que eólicas, solares, energias limpas intermitentes, avancem a passos largos como em lugar nenhum do mundo”. Mas, na contramão do planeta, está optando por aumentar a geração de energia “cinza”, com base no gás e nas termelétricas. Com o desmonte da estatal, vai enfrentar “um retrocesso tecnológico e de soberania de duas décadas”.
Os prejuízos para o país resultarão também, diz o dirigente, das circunstâncias específicas da privatização, por MP e com a introdução de cláusulas sem justificativa ou fundamento técnico. Além do impacto trazido pelo aumento do custo da energia, que tem provocado críticas até em setores privatistas, como a indústria, ele afirmou que uma nova regulamentação para o setor elétrico também estaria sendo discutida, para apresentação e votação posterior à venda da Eletrobras.
“Isso poderá mudar a receita da empresa absurdamente, inclusive o valor que será embolsado pelos acionistas”, afirmou o engenheiro e dirigente sindical, referindo-se principalmente à descotização das usinas, cujos investimentos já estão pagos, em particular a de Tucuruí.
Foto: manifestação em defesa da Eletrobras (Brasílila, 11/6)/Alessandro Dantas/Fotos Públicas
A criação da Eletrobras, em nome do desenvolvimento e da soberania
A proposta de lei para criação da Eletrobras foi apresentada por Getúlio Vargas em 1954, mas só conseguiu ser aprovada e assinada (Lei 3.890/61) em 25 de abril de 1961, após sete anos de tramitação. A empresa foi efetivamente constituída no ano seguinte, em 11 de junho de 1962, por João Goulart. Na sua Carta-Testamento, Getúlio denunciou a reação das elites à iniciativa e ressaltou a importância da estatal para a soberania popular: “Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobras foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.” (Carta Testamento).
O objetivo original da empresa era coordenar investimentos integrados em todo o país, no setor elétrico, cujos déficits impediam a industrialização e o desenvolvimento nacional. Dominada por concessionárias estrangeiras, a prestação dos serviços era precária e dispersa. O grupo Light (anúncio de racionamento, à dir.) controlava os mercados de São Paulo e do Rio de Janeiro; e o Anforp (por meio da Bond and Share), diversos outros estados. A intenção, com a Eletrobras, foi estabelecer uma estrutura nacional de geração e transmissão.
O avanço do projeto e a superação das pressões feitas pelos grupos internacionais foram influenciados de forma decisiva pelo enfrentamento, no Rio Grande do Sul, do então governador Leonel Brizola com a Companhia de Energia Elétrica Rio – Grandense (Ceerg), filial da Bond and Share. O líder trabalhista propôs à empresa ampliar a oferta de energia, como estratégia para fomentar a economia. Mas recebeu, em contrapartida, a exigência de renovação automática da concessão, já vencida, por mais 30 anos. Como resposta, Brizola encampou a empresa, pelo valor simbólico de CR$ 1,00 (um cruzeiro), criando em 1961 a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE),destinada a projetar, construir e explorar sistemas de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica.
A instalação da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobras) ocorreu oficialmente no dia 11 de junho de 1962, em sessão solene do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE), no Palácio Laranjeiras, no Rio de Janeiro, com a presença de Jango. Recebeu a atribuição de promover estudos, projetos de construção e operação de usinas geradoras, linhas de transmissão e subestações destinadas ao suprimento de energia elétrica do país. Teve e tem papel fundamental no desenvolvimento nacional.
Imagens históricas: portal do Senado