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Fortalecimento do setor exige mobilização

Diretor da Fisenge, Ulisses Kaniak alerta que este cenário já fora previsto

Crise hídrica, aumento da tarifa de luz e ajuste fiscal são alguns elementos que compõem o cenário de fundo do setor elétrico brasileiro. Desde a década de 1990, quando a lógica mercantil foi amplamente reafirmada no país, a política energética no Brasil vem trazendo uma série de consequências para os trabalhadores do setor e o conjunto da sociedade. Nessa entrevista, o diretor de negociação coletiva da Fisenge, Ulisses Kaniak alerta que este cenário já fora previsto pela engenharia brasileira. "Revendo a obra “Setor elétrico brasileiro - Uma aventura mercantil”, do professor Roberto Pereira d’ Araújo, lançada em 2009 pelo Projeto Pensar o Brasil – que a Fisenge conduzia junto ao Confea –, se pode afirmar que o problema de hoje estava previsto e devidamente alertado pela engenharia do país", ele recordou. Além de problematizar a política energética brasileira, Kaniak ainda levanta questões pertinentes ao mundo do trabalho e a mobilização da engenharia pelo avanço do setor no país. Ulisses Kaniak é engenheiro eletrônico da Copel há 21 anos e ex-presidente do Senge-PR.

 

CONFIRA

 

Sabemos que o anúncio do aumento das tarifas do setor elétrico tem como pano de fundo o pacote de ajuste fiscal, anunciado pelo ministro Levy. Ao contrário da redução tarifária que a lei nº12.783 proporcionava, o governo federal, autorizado pela ANEEL, anuncia aumento das tarifas. Qual a sua opinião?

Desde a privatização de várias empresas, na década de 1990, o setor piorou muito e se não houver uma ruptura só tende a piorar mais. Vivemos agora uma crise em que a bola de neve, que se tornaram as tarifas está ganhando um volume assustador. O corte de subsídios ao setor é a parcela que tem a ver com o ajuste fiscal do Governo Federal, mas é só uma parte. Além disso, nós consumidores, pagaremos também pelo socorro dado em 2014 às empresas distribuidoras e pela “bandeira vermelha” que tende a durar muito tempo em função da situação climática desfavorável. Tudo isso é consequência da falta de planejamento integrado do setor, que se perdeu com o tempo, e da mercantilização da energia. Estes fatores, hoje, considero não só como heranças, como também uma continuidade de modelo neoliberal dos governos FHC, já que não foram tomadas medidas pra romper com ele nos governos presididos pelo PT. 

Revendo a obra “SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO - Uma aventura mercantil”* do Prof. Roberto Pereira d’ Araújo, lançada em 2009 pelo Projeto Pensar o Brasil – que a Fisenge conduzia junto ao Confea –, se pode afirmar que o problema de hoje estava previsto e devidamente alertado pela Engenharia do país. Mas para evitá-lo seria preciso conduzir a política energética do Brasil com rigor técnico e atendendo aos interesses de toda a Nação. Ao contrário disso, o que se viu de 2011 a 2014 foi a ampliação de uma política coronelista no MME – Ministério de Minas e Energia. 
*Para saber mais http://www.confea.org.br/media/Livro_Setor_Eletrico.pdf 

Uma das consequências da lei nº 12.783 foi a política de demissões e sua consequente perda de memória técnica. Que outros impactos os trabalhadores do setor elétrico sofreram?

Tudo está interligado. A diminuição de postos de trabalho causou sobrecarga aos que ficaram, o que afeta diretamente a saúde e a segurança dos trabalhadores. As empresas continuam apelando para a terceirização, e isso amplifica mais o problema, pois é apenas uma forma de pagar menos benefícios e as condições de trabalho se precarizam. Além disso, é constante a tentativa de diminuir os benefícios financeiros, que já foram o diferencial para atrair os profissionais mais qualificados para um setor de suma importância para o desenvolvimento da nação. Esse modelo coloca o cifrão acima da vida.

O Brasil é um dos países com uma das mais caras tarifas de energia. É possível uma revisão desse modelo tarifário? De que forma? 

É possível, sim. Mas só com um rompimento profundo dessa lógica mercantilista. Tratar energia não como mercadoria, e sim como um bem comum da população e estratégico para o país. Na prática, reestatizar 100%. Está comprovado que a “livre concorrência” preconizada pelos que fizeram as privatizações foi um engodo. Nenhum consumidor residencial escolhe de quem irá comprar energia, e todos pagam muitíssimo mais caro do que há 20 anos. Se fizermos a pergunta “Tá bom pra quem?” hoje, chegamos à conclusão de que pagamos caro pela tarifa para enriquecer acionistas privados e especuladores do mercado. É uma transferência de renda às avessas.  Uma das salvações do setor elétrico pode ser – além de um significativo volume de investimentos do governo na Eletrobras – o enfrentamento da atual lógica tarifária que, hoje, age de forma especulativa.

Você acha possível mobilizar e dialogar com o governo nesse sentido? Há outras medidas importantes a serem propostas pelo fortalecimento do setor elétrico público brasileiro?

Nós do movimento sindical temos que ter, mais do que esperança, tenacidade. Um novo Governo acaba de iniciar e já estabelecemos diálogo com o Ministro da Minas e Energia, Eduardo Braga. Sabemos que é utópico achar que tudo pode se resolver por uma lei, decreto ou medida provisória. Mas abrimos o diálogo, ao menos, em relação à gestão das empresas públicas, que a nosso ver devem dar o exemplo no tratamento digno aos trabalhadores e à população.  Outro eixo de debates, com o governo e a sociedade, é o que a Fisenge estabeleceu nos últimos anos em conjunto com a FNU, a FUP e o MAB, na Plataforma Operária e Camponesa de Energia. Uma reflexão que fazemos lá, e que procuramos fomentar o debate com os trabalhadores e com toda a população, é “Energia para quê e para quem?”, o que leva à discussão de todo um modelo de país.


Acredita que, nesse novo mandato, o diálogo do governo com os movimentos social e sindical será retomado?
Acredito na possibilidade. Mas, em muitos casos, o diálogo só se consegue com muita mobilização. A própria presidenta Dilma Rousseff tem falado com insistência da importância dos movimentos nas ruas, muito mais do que nos gabinetes. Temos que estar preparados para as várias formas de dialogar. 

A crise hídrica impacta diretamente o setor elétrico brasileiro. Que políticas de geração de energia podem contribuir para amenizar suas consequências?
Todas as políticas que tenham um caráter público de discussão. Há que se retomar um planejamento a médio e longo prazo. Mas, a toque de caixa, não há como esconder a necessidade de outra política, que é a do uso racional de energia por parte de todos. 

Qual a sua avaliação sobre os índices individuais de produtividade no sistema de avaliação dos trabalhadores?
Com relação às empresas do sistema Eletrobras, pessoalmente não tenho condições de saber o quanto realmente se avalia a produtividade individual por esses índices. No mundo do trabalho em geral, considero que esse tipo de avaliação acaba servindo muito mais para “caça às bruxas” do que para premiar alguém pela competência. Além, é claro, de estimular a individualidade em detrimento do resultado coletivo. Por isso, sou cético e crítico ao método, em tese. Mas vamos ouvir o posicionamento dos trabalhadores que representamos, para orientar nossa atuação na Federação.

Qual a sua avaliação das últimas campanhas salariais do setor elétrico? As empresas cumprem o pagamento do SMP da categoria? Quais serão e ainda continuam sendo lutas centrais para as categorias?
Acompanhei com interesse a campanha de 2013 do setor elétrico federal, inclusive assistindo ao vivo pela internet a sessão histórica de conciliação ocorrida no TST. É lastimável que tenha sido necessário chegar a tanto por causa da intransigência patronal, mas o acordo a que se chegou com tanta luta foi uma conquista importantíssima para todos os trabalhadores do setor. E serviu de inspiração para sindicalistas em muitas negociações Brasil afora. Para a campanha em curso em 2015, estamos buscando um contato maior com a base de engenheiros que a Fisenge representa no setor, para ter ideia de quais problemas afetam mais a categoria, incluindo o piso profissional. A atuação dentro do Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE) fortalece as lutas de todos, e levaremos as pautas levantadas pelos engenheiros ao debate. As lutas centrais são por remuneração e condições dignas de trabalho, segurança no trabalho, contra a terceirização de atividade-fim, pela manutenção das empresas públicas, pela gestão das empresas transparente e que respeite os trabalhadores e seus representantes.


Mesmo com a proibição da terceirização de atividade-fim, o setor elétrico é um dos campeões em terceirização. Quais os saldos para a saúde e segurança do trabalhador?

Temos tido sentenças favoráveis à tese de não terceirização da atividade-fim. Um exemplo recente, no qual tivemos participação pela gestão no Senge-PR em 2014, foi a ação do Ministério Público do Trabalho contra a Copel. No entanto, muitos recursos acontecem nos processos, até que transitem em julgado. E também não é pacificada a questão na Justiça. Enquanto isso, a precarização do trabalho terceirizado traz anualmente uma carga de mortes, lesões permanentes e afastamentos inaceitável. 


Como você avalia a condução do cumprimento da PLR e seus métodos de pagamento aos trabalhadores? 

Entendo que é dever do sindicalismo, em todos os setores produtivos, lutar pelo pagamento de PLR previsto na lei 10101. No entanto, precisamos refletir sobre o peso que se deve dar a essa discussão. O trabalhador do setor elétrico deve ser muito bem remunerado, independentemente de haver lucro ou não nos negócios da empresa. Para mim, este é o cerne da discussão. Não é brincadeira a responsabilidade social que se tem pra garantir a energia que move e desenvolve todo um país. Isso sem falar nos riscos.  O problema é que as empresas passaram a fazer do pagamento da PLR uma moeda corrente, criando uma dependência anual desses valores, pra alguns trabalhadores, até como forma de sanar dívidas. Mas a rigor quem paga pelo lucro das empresas, cuja maior parcela é destinada a acionistas privados e não a trabalhadores, é cada cidadão e cidadã, através da fatura de energia. Então minha posição é: defendamos a PLR enquanto houver lucro. Mas não deixemos de buscar um setor elétrico público, de interesse social, sem lucro mas com salário justo e condições de trabalho dignas. Pode parecer utópico, mas a utopia é uma poderosa força motriz.

 

Entrevista: Camila Marins/Ascom Fisenge