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Engenheiro do Ilumina avalia efeitos da Lei 12.783

Segundo Roberto D’ Araújo a lei traz prejuízos às estatais e aos trabalhadores

Em entrevista ao Senge Rio, o engenheiro Roberto Pereira D’Araújo, fundador do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina) fala sobre os principais impactos das MPs do setor elétrico.

 

Senge-RJ: Como o senhor avalia a nova lei, com base na medida provisória?

Roberto D’ Araújo: A primeira coisa que eu tenho a dizer é que, quando alguém faz uma crítica a essa nova lei, não é contra a medida provisória ou a diminuição da tarifa. Todo mundo é a favor da redução tarifária. O Brasil passou a ter uma das tarifas mais caras do mundo, quando há uns 15 anos, era um das mais baratas. A comparação, por exemplo, com a Noruega e com o Canadá, em relação ao Brasil, faz perceber que as tarifas eram muito parecidas. Hoje, nós temos uma tarifa que é o dobro da do Canadá. Como o Brasil conseguiu quase que triplicar o seu preço de energia é uma explicação que alguém tem de dar. Evidentemente, pelo que tem sido feito, não é em função dessas medidas, porque se está conseguindo – a muito custo – uma diminuição de 20%. Nós estamos falando de uma tarifa que dobrou. Então há uma explicação que precisa ser dada pelo governo. A maneira como essa redução está sendo feita no sistema elétrico brasileiro vai causar um baque monstruoso nas empresas da Eletrobras. A Eletrobras perde 70% de sua receita. Pra ficar bem claro pra todo mundo: imagine alguém que ganhe R$ 1.000,00 de salário e, de repente, descobre que vai ganhar só R$ 300,00. E terá as mesmas obrigações que tinha antes. Então, quer dizer, nós não somos contra. A forma como está sendo feita é que é extremamente perigosa. A gente vai deixar de fazer muita coisa que fazia antes.

 

Senge-RJ: Recentemente saiu no jornal O Globo uma notícia de que o governo tinha pretensão de acabar com a Eletrobras, mas, logo depois, a empresa apareceu dizendo que não era verdade. Como o senhor avalia isso?

Roberto D’ Araújo: É claro que vai ser dito que não se quer acabar. Mas as empresas atingidas pela medida provisória, e que sobreviverem a ela, não têm nada a ver com a empresa anterior. A gente tem de saber o seguinte: quais são os fatores que fizeram a tarifa aumentar? Você vai ver que o preço das empresas estatais, pelo contrário, foi o único que caiu. Porque nós tínhamos, antes de 2003, no governo Lula, um preço que foi definido num contrato chamado Contratos Iniciais. Antigamente, como o setor era totalmente estatal, você tinha certa liberdade. Quem controlava o setor era o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica. A filosofia não era uma filosofia de mercado. Era uma filosofia de serviço pelo custo. Então, quando se estabeleceu esse contrato era para que, em 2003, quando começasse a descontratação, houvesse um preço das estatais, e não um preço dado por esse tal mercado. Dali em diante, com a queda da demanda do imposto do racionamento, as estatais só perderam. Elas caíram de 90 pra 60. Foi uma série de fatores que contribuíram para a tarifa aumentar. E o único fator que segurou a tarifa é exatamente esse em que o governo vai mexer.

 

Senge-RJ: Em 2003 começaram essas descontratações e a opção de contratar outras. O que aconteceu?

Roberto D’ Araújo: O governo Fernando Henrique queria implantar o mercado. Ele precisava desmontar os contratos que existiam. A grande quantidade de energia ainda era vendida pelo antigo regime de serviço público, calculado com base numa regulamentação completamente diferente da competição, até 2003. Em 1993, foi eliminado o chamado Princípio da Remuneração Garantida, que estabelecia que a remuneração de um serviço público não podia ultrapassar 10%. Se houvesse um lucro exagerado num certo ano, no outro ano, o lucro era rebaixado, e assim é feito nos Estados Unidos e no Canadá até hoje. De 1993 em diante, foram criados esses contratos iniciais, até 2003. Depois disso, começou a descontração. O governo foi descontratando 25%, depois mais 25%, depois mais 25% e depois mais 25%. Em quatro anos as energias das estatais perderam os contratos. Em 2001, teve racionamento e todo mundo desligou seus freezers, todo mundo trocou suas lâmpadas incandescentes por lâmpadas econômicas. A demanda caiu 15%. Essa queda significa que o Brasil se atrasou em crescimento por três anos.

 

Senge-RJ: O mercado livre passa existir em 2003?

Roberto D’ Araújo: Na verdade ele já existia antes, mas era muito pequeno. Quando você descontrata as estatais, o preço dado pelo Operador Nacional do Sistema cai e você tem de gerar e passa a ser um verdadeiro ímã que traz todo mundo que está fora do mercado livre para dentro. Quem está no mercado livre não tem a obrigação de garantir uma compra de uma usina por 15 anos. Tem gente que faz contrato de longo prazo. Veja como é distorcido: 20% da energia que é negociada no mercado livre é mensal. Eu não conheço ninguém que queria construir uma usina onde não haja uma garantia de longo prazo de compra. O mercado livre é composto pela Associação de Consumidores de Energia, pela Associação de Comercializadores e existe uma Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. 

Senge-RJ: Quando você, por decreto, diz que metades das usinas de Furnas e quase a totalidade das usinas da Chesf vão receber, ao invés de R$ 90,00, R$ 9,00, é possível uma usina sobreviver com esta redução?

Roberto D’ Araújo: O lago de Furnas tem 52 municípios no entorno. Furnas, além de operar a usina, troca os equipamentos quando precisa e, por decisão da empresa, mantém serviço de balsa gratuito no reservatório, participa de estudos para a melhoria de saneamento básico dos municípios, tem escolas, convênios e outros investimentos.  Com R$ 9,00 megawatt/hora, acabou. Em Goiânia, há um laboratório chamado de Mecânica dos Solos e Concreto Armado. Quando você vai fazer uma usina, é preciso um estudo geológico. Essa usina de Furnas, que vai ganhar R$ 9,00, não participa mais esse laboratório.  Quero saber como Furnas vai conseguir manter essa inserção que ela tem na sociedade, se metade das suas usinas e linhas vão receber uma “merreca”.  A receita de Furnas vai cair 60%, a da Chesf vai cair 74% e a da Eletrobras, como um todo, 70%.

 

Senge-RJ: Isso impacta também na relação com o trabalhador? Porque tenho ouvido que gera aposentadoria compulsória e perda de conhecimento.

Roberto D’ Araújo:: Qual é a empresa no mundo que consegue suportar uma receita de 70% sem diminuir a sua capacidade de trabalho?  Esse ano, Furnas divulgou que saíram 1.700 funcionários aposentados. O impacto é enorme, por serem pessoas mais velhas que poderiam continuar trabalhando, mas, pelo desânimo, vão embora. Há uma ilusão de que, como existe uma aposentadoria paga pela Fundação Real Grandeza, que tem uma participação de Furnas, esta não será atingida, então eu coloco meu pijama e vou ficar numa boa. Se a empresa vai diminuir de tamanho da ordem de 70%, alguma hora vai acontecer um problema com a fundação. Esses funcionários não serão repostos. Qual foi a política de pessoal dos últimos anos? Uma enorme terceirização. Tanto é que você tem pessoas terceirizadas que estão ocupando cargo de chefia, tem chefe de subestação terceirizado.

Senge-RJ: O senhor acredita que essa redução de tarifa vai se manter a médio prazo?

Roberto D’ Araújo: Não. Porque os 20% já estão se esvaindo. A Light já teve um aumento de 11%. Calculo que vamos ter de pagar 3% de aumento em função das térmicas, então, deduz-se que houve uma redução de apenas 6%. Como você pode imaginar que tem um setor de uma usina que vende energia por R$ 7,00 e ou por R$ 700,00.

Senge-RJ: Qual a direção para revisar o modelo brasileiro?

Roberto D’ Araújo: Os sinais de aumento tarifário são claros. Nenhuma dessas usinas, que são consideradas paradigmas, baratas, está funcionando. Foram licitadas por um preço bem barato, mas todas elas assumiram que, em compensação, irão vender energia no mercado livre por um preço maior. Outra coisa: o preço da transmissão está aumentado. As eólicas, que as pessoas acham muito barato, vão exigir uma mobilização do centro de transmissão que é muito custoso. Para revisar, temos de fazer com o que modelo brasileiro seja mais adaptado ao sistema físico. Ao Invés de fazer um mercado de energia quilowatts/hora, você vai pagar horas pelo megawatt.  Se a usina gerar mais e render mais dinheiro, este fica guardado para o sistema e, no dia em que faltar água e for gerada menos energia, o sistema usa aquele dinheiro para repor a energia que precisar. Juntar todas as empresas: Associação de Consumidores de Energia, Associação de Comercializadores e Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, formando um órgão só, sendo assim menos radical que a estatização.