Déficit da Previdência não tem amparo legal
Economista Maria Lúcia Fattoreli rebate argumento pró-reforma: sistema é superavitário
O ano de 2016 começou e novamente o debate sobre a reforma da Previdência ganha força no país. Tanto a presidenta Dilma Rousseff (PT) quanto o novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, já se manifestaram a favor de mudanças nas regras da aposentadoria.
O Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que o sistema previdenciário brasileiro pode chegar a 2050 com um rombo de R$ 3 trilhões. Por outro lado, economistas rebatem esses números, dizendo que a equação não pode ser pensada na Previdência isoladamente, mas em todo o sistema de seguridade social e nos seus meios de financiamento previstos na Constituição de 1988.
“A conta que se faz para chegar a esse resultado de déficit não tem amparo legal. Eles computam o que se arrecada com a folha de pagamento e comparam com todo o gasto da Previdência Social. Porém, a Constituição cria o sistema de seguridade social que integra saúde, Previdência e assistência e é mantido pela folha de pagamento, Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) das empresas e a Contribuição Para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que é paga pelo conjunto da sociedade porque já está embutida no consumo”, explicou a economista da Auditoria Cidadã da Dívida Maria Lúcia Fattorelli.
Ela usa os dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais de Receita Federal do Brasil (Anfip) para apontar que o sistema teve superávit de R$ 53 bilhões em 2015. Esse montante, segundo Fattorelli, não é usado para melhorar o sistema, mas desviado para o pagamento dívida.
“Um dos instrumentos que o governo usa é a DRU (Desvinculações de receita da União). Como essas contribuições INSS, Confins e CSLL são criadas pela Constituição com fins específicos para a Seguridade Social, o governo aprova essa legislação pra tirar essa receita do sistema e elas acabam indo pra cumprir meta de superávit primário, pagar juros e serviço da dívida pública”, disse.
Olhando pra frente
Um dos grandes pontos que o governo quer levar à frente é a proposta da idade mínima da aposentadoria. Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômico (Dieese), explica que na prática a idade mínima já existe, por meio de mecanismos como a Fórmula 85/95, que estabelece ao trabalhador se aposentar se a soma da idade com o tempo de contribuição atingir 85 anos para as mulheres e 95 para os homens.
“Somente um terço dos contribuintes se aposentam abaixo da idade mínima. Eles são, em geral, pessoas com os menores salários e condições mais precárias. Quem começa a trabalhar com 10, 12 anos, pra se aposentar com 65, tem que trabalhar mais de 50 anos da vida. Esse é um corte que a gente deve tentar construir, sabendo que esses trabalhadores terão benefícios menores que a renda que eles tinham”, apontou.
Ele também explica que o debate em torno da Previdência não pode ser pensado olhando para o problema de caixa de curto prazo do governo, mas para as gerações futuras. “Nosso compromisso deve ser olhar a previdência pensando em 2050. O grande problema desse debate, se ele for mal encaminhado, é que uma discussão [que deve ser] extremamente séria e responsável, sobre passado e futuro, possa ser feita olhando diretamente o caixa do governo no curto prazo”, encerrou.