Debate vai reunir representantes de projetos de engenharia popular, nesta quinta (17), 19h
Promovido pela Rede Camaco, o encontro terá convidados dos projetos de extensão universitária Força Motriz, Repos, Travessia, Intecoop, Engenheiro Sem Fronteiras e Enactus.
“Para que(m) serve seu conhecimento” é a questão que estará em debate na próxima quinta-feira (17), às 19h, no canal do YouTube da Rede Camaco, projeto de extensão universitária em Itabira (MG), da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), envolvendo aplicação de tecnologias sociais e fomento à economia solidária para o desenvolvimento da região. A conversa reúne representantes de seis outros projetos com princípios similares: o Coletivo Força Motriz, dos estudantes de Engenharia da UFRJ; a Repos, Rede de Engenharia Popular Oswaldo Sevá; o Núcleo Travessia, voltado à agricultura familiar; a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Unifei (Intecoop); as ONG Engenheiro Sem Fronteiras de Itabira e Enactus de Itabira.
Todos esses projetos se baseiam na participação de estudantes universitários, predominantemente da Engenharia, preocupados em exercer a profissão a partir da perspectiva da transformação social.
De acordo com Leonardo Ferreira Reis, professor de Engenharia de Saúde e Segurança e coordenador da Rede Camaco, a proposta é desenvolver uma produção científica para atender às demandas populares e regionais, do lugar onde o campus está inserido. “Entendemos que é uma obrigação. Somos professores de uma universidade pública, que precisa dar retorno à sociedade que a sustenta financeira e culturalmente.”
O próprio nome é inspirado na ideia de resistência. O Camaco é o “idioma” criado pelos trabalhadores da mineração na região, como estratégia para se comunicarem sem que os gerentes pudessem entendê-los. Surgiu como resposta à prática dos chefes: os gerentes da Iron Co., companhia inglesa anterior à Vale a extrair minério em Itabira, falavam em inglês, inacessível aos trabalhadores. No Camaco, troca-se a segunda consoante pela primeira – camaco, portanto, traduz-se macaco. Ainda hoje é falado por crianças, adolescentes e, com maior fluência, pelos mais velhos.
A rede começou como forma de reunir professores que já faziam projetos de extensão associados a demandas populares: agricultura familiar, cultura popular, alternativas de geração de renda. Registrado em 2019 na Unifei (que possui nove campus de Engenharia, um deles o de Itabira), tem atualmente quatro estudantes bolsistas, com atuação, infelizmente, mais restrita, devido à necessidade de distanciamento social da pandemia. Mesmo assim, os alunos, professores e voluntários continuam em contato com os movimentos sociais das periferias urbanas de Itabira e com os agricultores.
Cartilha para horta urbana
Uma das demandas apresentadas pela sociedade foi para apoiar hortas urbanas – formação técnica sobre como plantar, qual o cultivo mais interessante, sazonalidade, como precificar os produtos, etc. A Rede Camaco está concluindo uma cartilha com técnicas de produção de hortaliças, baseada no conhecimento formal acadêmico e nos saberes tradicionais das mulheres da comunidade. A cartilha deve ser lançada ainda este ano, diz Leonardo.
O professor espera que a publicação ajude a produção de alimentos agroecológicos que proporcionem alguma segurança alimentar às famílias, e também possam vir a se tornar fonte de renda. Ele conta que quatro hortas já funcionam plenamente no bairro Pedreira do Instituto – uma coletiva, uma compartilhada por duas famílias, e duas familiares. “Nesta época do ano, com chuva e sol, pararam a produção das alfaces, mas tem couve, chuchu, salsinha, cebolinha, coentro, manjericão, taioba, tomatinho cereja”, conta Leonardo.
Mapa dos recursos da mineração
Outra iniciativa dos estudantes da Rede Camaco é um levantamento de informações da cidade, para entender como funciona a arrecadação e o retorno para Itabira da Compensação Financeira pela Exploração da Mineração (CFEM). A CFEM, prevista na Constituição de 1988, é uma taxa paga pelas mineradoras, cujos recursos os estados e municípios devem destinar a investimentos em recuperação do meio ambiente, desenvolvimento da infraestrutura local, diversificação econômica para minimizar a dependência da exploração mineral, etc.
O projeto da Rede Camaco pretende traduzir esses dados difíceis de serem coletados e interpretados em uma linguagem mais acessível à população. “Mostrar qual é o retorno concreto da CFEM para a cidade”, diz Leonardo. “Uma coisa grave é a falta de transparência no cálculo do valor que vai ser pago. É uma metodologia complexa, que leva em conta produtividade, o valor das commodities, variações especulativas do mercado financeiro. A base de cálculo também não se refere à receita com minério no mês, mas a períodos anteriores. Enfim, vários elementos que dificultam a compreensão da contribuição.”
O projeto finaliza este mês, com o encerramento do ano letivo. Mas a proposta é que, futuramente, torne-se uma publicação com a apresentação da série histórica da CFEM. “No ano que vem, podemos submeter projetos de extensão para pleitear recursos para a impressão desse material”, afirma Leonardo.
Extensão universitária paulofreiriana
A equipe da Rede Camaco ia semanalmente à comunidade da Pedreira, para reuniões que tratavam da feira de economia solidária, da reforma do campo de futebol, do trabalho com produtores de banana, em uma intensa agenda presencial. Agora, devido à pandemia, os grupos de estudos estão trabalhando com transmissões ao vivo no YouTube, em que alunos bolsistas e professores debatem textos e conceitos.
Entre os temas da pauta está o entendimento do retorno social da universidade, como formulado pelo educador Paulo Freire no livro “Extensão ou comunicação?”, que problematiza a extensão universitária, valorizando os saberes populares. “A educação libertadora tem obrigação de aprender enquanto ensina”, afirma Leonardo.
Do ponto de vista da engenharia e da tecnologia social, o coordenador da Rede Camaco ressalta que a abordagem é diferente da tradicional. “O engenheiro é tido como alguém que produz dispositivos técnicos; uma tecnologia é um conhecimento consolidado. No sentido paulofreiriano, contudo, um conhecimento não necessariamente é um dispositivo tecnológico. Uma cartilha, por exemplo. Ou seja, pode ser algo que subsidia uma ação que uma comunidade ou grupo social já realiza e ou contribui para aperfeiçoá-la.”
Foto: horta apoiada pela Rede Camaco em Itabira (MG).
Para que(m) serve seu conhecimento
- bate-papo com projetos de engenharia popular -
> dia 17/12, quinta-feira, às 19h
Link para assistir ao vivo ao debate: https://www.youtube.com/watch?v=YiaW9Ko-RTw