Câmara do Rio homenageia Joaquín Piñero, mestre da revolução, do afeto e da alegria
O dirigente do MST recebeu 'post mortem' o Conjunto de Medalhas de Mérito Pedro Ernesto, entregue às mãos da sua companheira, Carla Oliveira, e da também dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Marina dos Santos.
A Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro homenageou nesta terça-feira (9) Joaquín Piñero, também conhecido como Kima, com o Conjunto de Medalhas de Mérito Pedro Ernesto 'post mortem'. As medalhas conferidas ao militante histórico e dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), morto em março deste ano, vítima de um câncer, foram entregues às mãos da sua companheira, Carla Oliveira, e da dirigente nacional do MST Marina dos Santos.
Revolucionário, socialista, internacionalista, educador, um militante da luta pela terra, pela democracia, pela justiça social, defensor da alegria e do prazer de viver, flamenguista e apaixonado por música. Assim os participantes da solenidade descreveram comovidos a personalidade de Joaquín. Entre 1999 e 2000, sob o governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, ele foi preso durante um ano e um mês por protestar contra a privatização. Na cadeia, deu aulas a 45 detentos, todos depois aprovados no Exame Supletivo, e fez ainda trabalho de base com suas famílias, para se juntarem ao MST.
Atuou nos últimos anos na construção do sistema de comunicação Brasil de Fato, do Armazém do Campo do MST, no bairro carioca da Lapa, e também na organização do Tribunal da Democracia, grande ato que trouxe juristas internacionais para um protesto contra o lawfare em curso no país e o golpe que afastou a presidenta Dilma Rousseff. Mais recentemente, dedicava-se a ações de agroecologia em Maricá (RJ).
“Fazer a tarefa e tomar uma cerveja, era a nossa máxima”, lembrou Carla. Segundo ela, eram marcantes em Joaquín a capacidade de dedicar a vida a um projeto futuro de mundo mais justo, que ele próprio sabia que não poderia desfrutar; o esforço efetivo para se transformar, avançar, desconstruir-se; e a sabedoria de “se permitir viver a liberdade”.
A uma plateia emocionada, Marina dos Santos, do MST, destacou a identidade orgânica e profunda do militante à ideia de uma distribuição justa de terra, de produção de alimento saudável, de forma sustentável e acessível no país. “Mais do que representar o MST, ele representa os objetivos, os princípios da luta pela democratização da terra. Ele se confunde com a necessidade de recuperarmos a democracia no Brasil, com a luta da educação libertadora do MST, que fazemos nos assentamentos, nos barracos, do esperançar de Paulo Freire; se confunde com a cultura latino-americana das lutas travadas no continente; com as lutas de classe dos trabalhadores no Brasil, no mundo. Em qualquer lugar, quando se falar em luta da classe trabalhadora, ele estará presente.”
Saudade e legado
O presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ), Olímpio Alves dos Santos (na foto, à dir.), lamentou a perda do militante relevante, a que se soma a dor da perda do amigo. “É muito difícil perder um amigo; perder um camarada amigo, mais difícil ainda”, afirmou. “A dor é muito real. Mas como diz Guimarães Rosa, a vida quer coragem. E meu camarada não gostaria de ver ninguém paralisado pela dor. Temos que seguir em frente. É isso que ele queria. Joaquín nos deixou muito jovem, mas algumas pessoas, embora com vida curta, deixam um legado muito grande. Castro Alves morreu aos 24 anos, mas seu legado é imortal; nosso comandante Che Guevara... Joaquín está nesse panteão, um imortal, um exemplo.”
Representante da Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia (ABJD), Carol Proner citou o poeta Mário Quintana: “'A saudade é o que faz as coisas pararem no tempo'. É como se ele estivesse aqui, provavelmente sentado num cantinho, porque não gostava de ser o centro das atenções, como é de um grande líder. Sinto muita falta dos comandos dele.”
Grande amigo, Hadesh, vereador petista por Maricá, lembrou a criação pela Prefeitura da cidade da Fazenda Municipal Joaquín Piñero, em sua homenagem. “Eu queria ser igual ao Joaquín, que conseguia transitar em todas as vertentes”, afirmou o companheiro de longa data João Carlos de Lima, o Birigu, atualmente secretário de Direitos Humanos em Maricá.
O ator Chico Diaz também queria ser Joaquín: “Como ator, gostaria de viver um dia o próprio Kima, legítimo representante do seu povo, na sua angústia, na sua procura.” Para o artista, o militante sintetiza ao mesmo tempo o movimento, a cultura e o homem. “É importante refletir como o MST se tornou tão forte simbolicamente. Em movimento todos nós estamos. E o mundo inteiro está se vendo um pouco sem terra, sem planeta.”
Segundo ele, o MST está na vanguarda há muito tempo, defendendo princípios que agora dominam a agenda mundial, entre eles a relevância da vida sustentável, coletiva. Também na cultura, comparou a artista, “nós cuidamos do terreno, semeamos, colhemos para poder alimentar.” Já o homem Joaquín, explicou Chico Diaz, “tem uma nitidez da sua posição no tempo, no mundo, que independe das marés, das incertezas; que se mantém granítico, como norte, farol, exemplo. Evoco o nome do Kima como síntese do movimento, da cultura, do homem, e exemplo de pai e marido.”
Para o vereador Lindbergh Farias (PT-RJ), autor da Resolução para conceder as medalhas a Joaquín Piñero, aprovada em Plenário, alguém devia escrever um livro sobre a história de Kima, de rara intensidade revolucionária: “Morreu como revolucionário, como socialista.” O militante também foi saudado pelos vereadores Reimont (PT-RJ), Tarcísio Motta (PSol-RJ), Chico Alencar (Psol-RJ), pela deputada federal Jandira Feghalli (PCdoB-RJ), em vídeo, entre outros. Entidades como MTST, Levante Popular, UBES, UNE, União da Juventude Socialista, Rede Municipal de Médicos e Médicas Populares, MAB também compareceram à solenidade.
Foto: Camila Marins/Fisenge