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Artigo: Petrobras acelera privatizações

O Plano de Negócios e Gestão projeta privatizar US$ 26,9 bilhões, entre 2019 e 2023. Entre 2015 e 2018 já foram , US$ 18,7 bilhões em ativos, informa o presidente da Aepet, Felipe Coutinho


 
O atual presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, declarou que seu sonho é a companhia privatizada. Estivéssemos em período de normalidade institucional, sendo os dirigentes responsáveis pelo sucesso dos órgãos sob sua direção, tal desejo seria motivo para substituição do gestor. O Plano de Negócios e Gestão projeta privatizar US$ 26,9 bilhões, entre 2019 e 2023.
 
Pretende-se privatizar oito refinarias que respondem por 50% da atual capacidade de refino, a subsidiária para a atividade típica de todas as petroleiras, a distribuição, BR Distribuidora, além de gasodutos, terminais, fábricas de fertilizantes, participação na petroquímica e na produção de biocombustíveis. A tudo isso se acrescenta a alienação de direitos de produção em reservas de petróleo e gás natural. Ou seja, promover um fim esquartejado da maior empresa brasileira.
 
Entre 2015 e 2018 foram privatizados US$ 18,7 bilhões em ativos da Petrobras. Em 2019 foi alienada a subsidiária Transportadora Associada de Gás S.A. (TAG), por US$ 8,7 bilhões. As privatizações e a consequente desintegração da Petrobras estão na contramão da tendência da indústria internacional e da crescente relevância das companhias petrolíferas estatais.
 
As estatais já são 19, entre as 25 maiores empresas de petróleo e gás natural, controlando 90% das reservas e 75% das produções mundiais. As vendas de ativos da Petrobras não se justificam pela redução do endividamento e estão em contradição com o aumento da integração vertical e da internacionalização das companhias de petróleo, inclusive as estatais. Entre o final de 2014 e de 2018, a Petrobrás reduziu sua dívida líquida de US$ 115,4 para US$ 69,4 bilhões e sua alavancagem (dívida liquida / EBITDA ajustado) de 4,25 para 2,20.
 
Nesse mesmo período de quatro anos, a Petrobras vendeu ativos no valor de US$ 18,72 bilhões. Deste total, os valores efetivamente recebidos em caixa totalizaram US$ 11,81 bilhões. Esta dívida poderia ser reduzida, mesmo sem a entrada no caixa dos US$ 11,81 bilhões. Na realidade, as privatizações tiveram influência pouco relevante na redução do endividamento líquido da companhia. O que pode ser atribuída à venda de ativos limitou-se a 25,65% da redução da dívida líquida, entre o final de 2014 e o final de 2018. Cerca de três quartos (74,35%) desta redução teve origem na geração operacional de caixa da Petrobras.
 
O somatório do lucro operacional do Abastecimento da Petrobras nos anos de 2015, 2016 e 2017 registrou US$ 23,7 bilhões, em valores corrigidos para 2018, enquanto o E&P obteve US$ 9,4 bilhões no mesmo período, quando o preço do petróleo médio foi de US$ 52,68 por barril. As privatizações de refinarias, terminais, dutos e da distribuidora trazem prejuízos muito mais graves à resiliência e mesmo à sobrevivência da Petrobras do que presumíveis benefícios pela redução dos gastos com juros, decorrentes da antecipação da redução da dívida.
 
Participação estatal na indústria mundial do petróleo 
A indústria do petróleo está entre as maiores do mundo. Por exemplo, é a maior consumidora de aço, e o valor negociado de petróleo bruto é o mais alto em comparação com qualquer mercadoria. Apesar do crescimento da produção de energia renovável, a quota dos fósseis - petróleo, carvão e gás natural - na matriz enérgica global está em torno de 80% da demanda total de energia primária e permanece estável nos últimos 25 anos. Malgrado as alegadas preocupações relacionadas aos efeitos das emissões de carbono na mudança climática, induzida pelo homem, a maioria das analises de profissionais prevê que os hidrocarbonetos continuarão a ser a fonte dominante da energia da humanidade em futuro previsível.
 
Das 25 maiores petrolíferas do mundo – que possuem 90% das reservas e produzem dois terços do total de petróleo e gás natural - 19 são estatais e apenas 6 de capital privado.
 
São comercializados, aproximadamente, dois bilhões de dólares por dia, em petróleo, sendo este o maior item isolado nas balanças de pagamentos e trocas entre as nações. Petróleo representa a maior parte no uso total de energia para a maioria exportadores e importadores líquidos. E os impostos sobre o petróleo são uma importante fonte de renda para mais de 90 países no mundo.
 
Diferentemente da maioria das commodities, o petróleo é especialmente importante na política internacional e no desenvolvimento socioeconômico das nações. Estas características do setor petrolífero explicam por que muitos países produtores e importadores têm optado pela intervenção estatal.
 
As estatais possuem mais de 90% das reservas mundiais e são responsáveis por cerca de 75% da produção de petróleo e gás natural.
 
As políticas do setor de petróleo buscam uma variedade de objetivos socioeconômicos, incluindo a maximização do valor presente líquido da renda econômica derivada da exploração do petróleo, equidade intertemporal, promoção de integração da cadeia produtiva, promoção do comércio bilateral, autossuficiência e segurança de suprimentos etc. As estatais são frequentemente usadas para alcançar ampla gama destes objetivos, como ferramenta principal ou em combinação com outros meios políticos.
 
Objetivos e a eficiência das petrolíferas estatais 
A avaliação da eficiência das estatais deve considerar seus objetivos sócio econômicos: a segurança e autossuficiência enérgica nacional, a redução dos custos de abastecimento, a maior recuperação e reposição de reservas, a apropriação pelo Estado de maior fração da renda petroleira, acesso às informações de investimentos e operacionais para maior eficiência tributária e regulatória do setor, a garantia de vantagens geopolíticas ao Estado por dispor do petróleo em suas relações internacionais e o desenvolvimento nacional resultante das políticas de investimento com conteúdo local, bem como em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, com a resultante geração de empregos e soberania tecnológica.
 
Enquanto a avaliação da eficiência das petrolíferas controladas pelo capital privado deriva da geração de valor para os acionistas, expressa pela relação entre o pagamento de dividendos e o preço das ações e/ou pela simples valorização do preço das ações no mercado. As comparações da eficiência, entre as petrolíferas estatais e destas com as petrolíferas de capital privado, devem ponderar a complexidade dos objetivos perseguidos pelas estatais, em comparação com a simples maximização do retorno aos acionistas sobre o capital aplicado, que é a perseguida pelas companhias privadas.
 
Em suma, o desempenho de uma estatal deve ser medido com referência à sua função objetivo, e não a partir do objetivo das companhias privadas.
 
As companhias petrolíferas nacionais existem em uma variedade de formas, mas a maioria é integrada verticalmente e reúne atividades de Exploração e Produção (E&P) com operações de Abastecimento (refino e distribuição) e Transporte. As estatais historicamente têm operado em seus países de origem, embora a tendência de evolução é sua internacionalização. Exemplos de estatais incluem a Saudi Aramco (a maior empresa integrada de petróleo no mundo), a Kuwait Petroleum Corporation (KPC), a Petrobrás, a Petronas (estatal da Malásia), a PetroChina, Sinopec e CNOOC (chinesas), a StatOil (norueguesa), a Sonangol (Angola), a Sonatrach (Argélia), a Gazprom (russa, maior exportadora de gás natural do mundo), a Oil and Natural Gas Corporation Limited - ONGC (Índia) etc.
 
As empresas estatais asiáticas, mais proeminentemente da China e da Índia, estão na vanguarda dos investimentos internacionais, à medida que seus governos enfrentam desafios de fornecimento de energia. Nos anos 1970, as estatais controlavam menos de 10% das reservas de petróleo do mundo, enquanto nos anos 2010 garantem mais de 90%. Essa evolução permitiu que as estatais aumentassem sua capacidade de acessar capital, recursos humanos e serviços técnicos diretamente, com o desenvolvimento de competências internas.
 
Investimento em P&D e o Modelo de Negócios das petrolíferas estatais
As estatais têm quatro elementos-chave para o sucesso no setor de petróleo e gás: acesso a capital, acesso à tecnologia, amplitude de capacidades e parcerias, e a eficiência de suas operações. Nos últimos anos, as estatais obtiveram maior progresso tecnológico, em relação às multinacionais de capital privado. Uma métrica comum para inovação é o investimento em P&D de uma empresa. As estatais também são inovadoras: Saudi Aramco, Petrobrás, Petronas e as estatais chinesas têm capacidade reconhecida internacionalmente em P&D. Além disso, a mudança dos modelos de negócios, com a internacionalização das estatais, apresenta desafios para as multinacionais privadas colocando em risco a sustentabilidade de seu modelo de negócios e a escassez de seus recursos petrolíferos. Entre esses desafios estão o declínio da produção nos campos de petróleo existentes, a dificuldade de substituir as reservas de petróleo e gás em áreas de acesso restrito, o rápido esgotamento do petróleo convencional ou de fácil acesso, aumentando os custos de exploração e produção de recursos não convencionais e o consequente declínio de suas margens de lucro.
 
As estatais, com mais acesso ao capital e ao desenvolvimento da especialização interna, têm se transformado de simples produtores de petróleo cru em empresas de energia, totalmente integradas às atividades de refino, comercialização, petroquímica e de energias potencialmente renováveis (biomassa, eólica, solar etc.). Enquanto grandes companhias petrolíferas globais podem ter medo de investir em áreas instáveis do mundo ou onde as sanções internacionais foram impostas, as tomadas de decisões das estatais têm apenas que ser compatíveis com a política nacional e é improvável que sejam prejudicadas pela governança corporativa e ações das partes interessadas.
 
As estatais são mais capazes de mitigar riscos políticos no exterior por meio de relações intergovernamentais e estratégias de negociação. As estratégias e políticas das estatais terão um impacto substancial, a longo prazo, e no ritmo de desenvolvimento de recursos já nos próximos anos. As petrolíferas estatais asiáticas e russas estão competindo cada vez mais por recursos estratégicos no Oriente Médio e na Eurásia, em alguns casos substituindo as companhias privadas ocidentais em importantes atividades de desenvolvimento de recursos e negociações.
 
Empresas como as indianas Oil and Natural Gas Corporation Ltd. (ONGC) e Indian Oil Corporation Ltd., as chinesas Sinopec e China National Petroleum Corporation (CNPC) e a Petronas, da Malásia, se expandiram na África e Irã, e agora estão buscando investimentos em todo o Oriente Médio.  A Lukoil da Rússia está se tornando um importante player internacional em diversas regiões como o Oriente Médio e a Bacia do Cáspio.
 
Muitas estatais emergentes são financiadas ou têm operações subsidiadas pelos seus governos de origem, com objetivos estratégicos e geopolíticos incorporados a decisões de investimento, em vez de serem submetidas, simplesmente, às considerações comerciais-financeiras. Restrições políticas influenciam e impactam a expansão internacional das petrolíferas estatais. A Kuwait Petroleum Corporation é a única da sua região que se integrou na Europa, com a marca Q8. A PDVSA da Venezuela adquiriu a CITGO nos Estados Unidos da América (EUA); no entanto, a CNOOC da China foi impedida de adquirir a UNOCAL dos EUA, em 2005. Se uma petrolífera estatal for percebida como mais do que apenas uma entidade corporativa, seu crescimento internacional pode ser questionado.
 
A tendência é que as estatais continuem a rastrear agressivamente novas oportunidades de crescimento em termos de reservas e receitas decorrentes do crescente acesso aos mercados de capitais, aumento dos lucros, maior participação em avanços tecnológicos, gerenciamento de projetos cada vez mais efetivo e desenvolvimento de capacidades técnicas. Em suma, as petrolíferas estatais estão em alta porque elas têm uma série de vantagens em relação às multinacionais privadas.
 
Investimentos globais das petrolíferas estatais 
Os investimentos apoiados pelo Estado são responsáveis por uma parcela crescente do investimento global em energia, uma vez que as empresas estatais têm permanecido mais resilientes em petróleo, gás natural e energia térmica em comparação com o setor privado. A participação do investimento global em energia impulsionada por empresas estatais aumentou nos últimos anos para mais de 40% em 2017.
 
Conclusão 
A aceleração das vendas dos ativos da Petrobras é resultado de decisão puramente ideológica, não tem coerência com as tendências da indústria internacional e não se justificam diante da realidade empresarial e financeira da companhia e de sua condição de estatal.
 
 
* Felipe Coutinho é presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet)
 
Foto: Aepet